O TRAPACEIRO
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Recontando Contos Populares
Certa vez o caboclo Epaminondas comprou a preço de galinha morta uma égua vermelha, cheia de feridas e velha que nem mais podia trotar, só ia a passos. Como o animal já era conhecido de todos, o caboclo não tinha como passar o animal pra frente. Ninguém queria.
Foi então que Epaminondas teve a idéia de pintar a égua. Foi à cidade, comprou tinta preta e arranjou um pouco de óleo queimado na oficina. Chegando a casa, colocou os ingredientes num latão e mexeu até ficarem bem misturados. Buscou a égua, pegou uma brocha e a pintou. A égua ficou pretinha, pretinha. Depois, amarrou-a no poste do curral e a deixou o dia todo exposta ao sol. À tardinha, na hora do sol entrar, montou no seu cavalo de estimação e foi puxando pelo cabresto a égua pintada rumo à venda do seu Jaci. A venda era ponto obrigatório. Trocavam de tudo: arreio velho por galinha choca, lata de banha por rapadura, porco por cavalo e assim por diante. Era noite quando chegou.
Apeou do cavalo, cocou a cabeça e na bunda, consertou o pigarro, cumprimentou a todos e foi logo dizendo:
— Hoje eu tenho esta égua pra trocar numa outra coisa qualquer. Este animal é de boa procedência, neta da criação do Zé do Laço. Boa de cela, marchadeira, só teve uma muda e é mansa que dá pra coçar!
Talívio, caboclo principiante na troca, interessou-se pelo negócio e foi logo fazendo uma oferta:
— Epaminondas, te dou dois bezerros pela égua!
O caboclo matutou, matutou e retrucou:
— Quero treis. Se não, num tem negócio!
— Não! Só dou dois e pronto!
Ora, a égua não valia nem um bezerro. O caboclo iniciante estava levando um prejuízo medonho. Epaminondas não perdeu tempo. Coçou o bigode e perguntou:
— Cadê os bezerros?
— Tão lá fora, amarrados no pau de aroeira!
Os dois caboclos acenderam um lampião a querosene e foram olhar os bezerros. Epaminondas olhou, agradou e disse:
— Tá feito o negócio! Leve a égua que eu levo os bezerros!
Uma banda do céu já tinha armação de chuva com relâmpagos e trovoadas, quando Talívio montou no seu cavalo, pegou a égua pelo cabresto e se mandou pra casa. Mal acabara de chegar e soltar os animais no curral, veio uma trabuzana d'água que parecia que o mundo vinha abaixo.
O dia seguinte amanheceu de céu azul, pássaros cantando. O entusiasmo de Talívio era tão grande, que não se conteve mais e disse:
— Ó muié, pois não sabe da trapaça que passei no velhaco do Epaminondas! Enganei o homem com aqueles dois bezerros mal formados, numa égua da criação do Zé do Laço! Vou fazê a cruza dela com o malhado e o filhote vai valer uma nota doida. Vou lá ao pasto buscar o animal pra ocê vê que tetéia!
Chegando ao pasto chamou os animais que foram se chegando. E para espanto do caboclo, cadê a égua? Sumiu? Roubaram? Quando ele observou direito, viu que tinha no meio da tropa uma égua meio preta e meio bege. A chuva lavara a pintura do animal.
Talívio ficou furioso. Arriou um animal e saiu a galope pra casa do Epaminondas.
— Que foi, Talívio? Apêia!
— Não! Só vim desmanchá o negócio! Ocê me enganou! Pintou a égua! E ainda mais ela é véia! Vou levá os garrote e ocê busca a égua!
— Não senhor! Negócio é negócio! O mundo é dos mais sabidos. Não dizem que dinheiro de trouxa é matula de malandro?
Talívio deu um lanceado na rédea, virou o cavalo e voltou para casa. No caminho foi matutando sobre como se vingar do velhaco Epaminondas. Lembrou-se do seu Zacarias, um caboclo velhaco e espertalhão que merecia estima. Talívio mudou a rota e foi parar na fazenda do velho Zacarias. De longe o velho avistou o visitante e foi esperá-lo na sombra do pé de cedro.
— Bom dia, seu Zacarias! Como vão as coisas?
— Ah, compadre to pra lá do mais pra lá...
— Tá doente?
— Uai, seu, tô numa remeleira, numa tossição e numa catarreira danada! E ainda pro cima meti o juêio na cadeira. Tá num inchume danado! Mas deixando de lado o queixume, o que traz ocê na minha casa?
— É sobre aquele desgraçado do Epaminondas!
Aí Talívio relatou o acontecido para o velho Zacarias.
— E antão Talívio? Que qué qui eu faça?
Quiria qui ocê me vingasse passado "uma perna" nele!
— Ocê ainda tá muito verde em negócios. Tenho um plano. Ocê guarda segredo?
— Ixe! Garanto levá no caixão!
— Antão vô te contá a tramóia que vou tentá fazê. Tenho uma porca, comedeira de pinto. Não há galinha que agüenta chocar pintinhos pra diaba comer. Vô tentar passar ela no Epaminondas. Combinado?
— Combinado!
No outro dia o Epaminondas recebe um convite do seu Zacarias para ir até à casa dele. Convite aceito teve que cavalgar três léguas puxadas para chegar à casa do velho Zacarias.
— Vamo apiá, Epaminondas!
— O que qui ocê tem pra tocar?
— Tenho cavalo, tenho bezerros, tenho roda de fiar, tenho monjolo d’água e tenho uma porca criadeira pra fazê inveja em quarqué filho de Deus!
— Óia, Zacarias, só me interessa a porca se ela não for comedeira de pintinho!
— Ocê tá ficando doido? Isso eu te garanto! Nas minhas mãos ela nunca comeu pintinho! Pura verdade!
— Quanto quer na porca?
— 450 réis.
— Não posso!
— Quanto ocê dá?
— 400 réis!
— Negócio feito. Dinheiro pra cá, porca pra lá!
Seu Zacaria recebeu o dinheiro e se encarregou de entregar a criação na casa do comprador. Alguns dias depois volta o Epaminondas à casa do velho Zacarias. Não quis apear do animal e foi gritando:
— Ô Zacarias! Vem cá! Seu velho mentiroso! Ocê me garantiu que a porca nunca tinha comido pinto em suas mãos! E lá em casa ela fez um estrago danado!
— E por acaso eu menti?
Seu Zacarias fitou o colega, esticou os braços, abriu as mãos e falou:
— Óia bem aqui: nestas minhas mãos ela nunca comeu pintinhos! Dinheiro de trouxa é matula de malandro. Aqui se faz, aqui se paga! ®Sérgio.
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Nota: Em muitas passagens deste conto, uso grafia própria do sertanejo, divergente em muitos pontos da ortografia oficial.
Se vocêencontrarerros (inclusive de português), relate-me.
Agradeço a leitura e, antecipadamente, qualquercomentário. Volte Sempre!