FOGO NA BUNDA
FOGO NA BUNDA
Era Dezembro, comecinho do mês, e os meninos e meninas da Comunidade Rural dos Veloso e adjacências findavam o ano concluindo uns o quarto ano e outros as lições do catecismo.
Era tempo de festa. Formatura e Primeira Eucaristia. Todo bom menino que se prezava, oriundo de boa família piedosa e de boa índole, tirava o diploma do grupo e recebia a comunhão depois de longa preparação e decoreba das lições. A preparação era piedosa e metia medo nas crianças. “O Padre vai perguntar antes de entregar a Hóstia. Se não souber não comunga.” Tal sabatina no fim nunca acontecia e percebia-se que era artifícios pedagógicos educativos para não se trocar a aula de catecismo por boneca, futebol ou pique esconde.
Para tal evento Pe Julinho convidara Rafael coroinha já a alguns meses. Sapeca porem muito ladino na opinião do velho sacerdote. Tinha lá sua carinha de anjo, mas aprontava das boas e sempre à surdina. Quando Davao por sua falta já encontravam além dele suas peraltices de menino. Nada de mais. Só comia hóstias do depósito da sacristia, bebia as sobras do vinho que fazia questão de encher a galheta sabendo que o Padre nunca usava todo na missa. Também queimara muitas pernas das beatas com o turíbulo em brasas e com incenso. O incenso fazia questão de soprá-lo na direção da Dona Mariquinha, beata que tinha banco cativo na matriz e que sabia muito bem que era alérgica a fumaça do incenso. Era uma jorrada de tossi sem fim. Pe Julinho fora por trinta anos capelão militar. Mantinha sua postura ereta e fala firme. Usava batina preta e fazia questão que seus coroinhas o acompanhasse paramentados de Batina Vermelha e sobrepeliz branca.
Em um Jipe sem capota depois de tomar poeira e vento na cara, chegavam à escola da comunidade Veloso onde havia em anexo um salão comunitário que fazia às vezes de capela. O povo era numeroso. Via-se as mulheres de um lado alisando a cabecinha de seus anjinhos em roupa de “vê Deus” e com velas decoradas à mão. Do outro lado os Homens. Pitando um palheiro, negociando porco, galinha, café e fumo. Todos que aguardavam do lado de fora abanaram a mão para o Vigário e seu “Vigaristinha”. Pe Julinho respondeu o abano.
Na Capela “Ad Oc” dado inicio a missa apareceu a Liz a fotógrafa da cidadezinha mais próxima. Fotos de um lado e de outro. Ela eternizou todos os momentos da missa que fossem importantes e dignos de registro de suas lentes. A hora da primeira eucaristia das crianças fotografou uma a uma recebendo a comunhão das mãos do padre. Também registrou o momento dos formandos recebendo o simbólico canudo do diploma de quarto ano.
Como as máquinas tinham poses limitadas houve hora em que teve que trocar o filme Kodak. A Fotógrafa Liz experiente que era, tinha duas máquinas. Tendo uma delas chegado quase ao final do filme Kodak entregou-a para Rafael segurar, enquanto usava a sobressalente. Rafael já “des-batinado” não via a hora daquela cerimônia toda acabar e se deleitar no café farturento que esperava Pe Julinho e que de quebra entraria de carona. Como a fila de meninos e meninas para tirar foto com Pe Julinho era quase infindável a ansiedade apetitosa de Rafael só se fazia aumentar. A câmera da Fotógrafa veio bem a calhar como um passatempo. Brincava q tirava foto de um e de outro até que deu a louca de abrir a máquina. E como as máquinas da época não tinham suas fotos registradas em Cartão de memória todas as fotos foram pro beleléu. O filme queimou-se.
A Fotógrafa Liz quando pegou a maquina das mãos de Rafael e conferiu a quantidade exata de fotos tiradas viu o contador zerado. Pânico!!!!! Abriram a máquina! Abriram em plena luz do dia. Céus!!! Queimaram-se as fotos da Primeira Eucaristia. Interrogado se havia mexido na máquina, abrido ou coisa parecida Rafael negou veementemente.
Informado da catástrofe das fotos Pe Julinho quase que mandou Rafael pra corte Marcial. A contra gosto e depois de muitos sermões a um único fiel, seu coroinha, relutante simulou a distribuição da comunhão. As fotos até que não lembrariam o episódio se não fosse as velas apagadas e a cara de mau do Pe Julinho simulando dar a comunhão e olhando torto pra Rafael quase que o engolindo vivo com os olhos esbugalhados e os lábios balbuciando qualquer coisa do tipo que desse a entender sua ira em relação a última peraltice do coroinha ladino.
Passados os anos Rafael ainda hoje conta o tal episódio das fotos queimadas. Mas agora com muito mais tranqüilidade e um certo humor pela travessura da infância. E hoje quando lhe perguntam onde estava com a cabeça para abrir a máquina, pois sabia que filmes queimam na luz, ele responde numa única sentença: _ E o fogo na bunda!!!!