INFANTILIDADES DE OUTRORA
Todas as vezes que vou arrumar o quarto de minha filha, - hoje, uma moça criada - vasculho uma por uma, das inúmeras bonecas que ainda estão guardadas num canto qualquer de um roupeiro. Aquele armário, onde só guardamos as coisas que nos trazem recordações, nos lembram grandes momentos, pequenos detalhes, infantilidades de outrora.
Sento-me na cama, fecho meus olhos, e com um grande sorriso volto meu pensamento á minha infância... À minha humilde infância... onde andávamos de pés descalças, tomávamos banho de chuva, subíamos nas árvores... Vivíamos sem maldades.
Recordo cada brincadeira, cada balanço feito em galhos de amoreira, eucalipto, cada surra de chicote feito de couro de boi. Mas a maior das lembranças, a que recordo nitidamente cena por cena, é a da minha bonequinha de pano.
Quando picorrucha, eu e minhas duas irmãs, ficávamos escondidas atrás das cortinas ou na fresta da porta vendo nossa mãe e a vovó fazer uma por uma e com todo carinho do mundo, nosso presente de Natal.
Trabalhava cada pecinha da boneca e detalhava cada uma delas com tecidos diferentes e incluía babados e bordados encantadores.
Tomava nas mãos maçinhos de tecidos, e fazia os braçinhos, bordando nas pontas dos mesmos os dedinhos e unhas. O corpo era um pouco atarracado e com um fio amarrado na barriga para formar a cintura. Na parte inferior eram grudados as pernas e pés já com os sapatinhos de crochê.
A cabeça exigia muita delicadeza, pois milimétricamente eram bordados na sua face os olhos, nariz, boca, sobrancelha... Embaixo do chapeuzinho colorido, havia os cabelos feitos com fios de lã em forma de tranças. Por último confeccionavam as roupinhas delicadamente uma a uma e sobrepostas às mesmas, bolerinhos de crochê e todo acabamento em renda, broderi e fita mimosa. Perdíamos algumas partes da confecção, pois éramos pegas de surpresa espiando nos expulsavam para o terreiro tratar as galinhas e os pintinhos.
Saltitando e cantarolando, passei os três últimos dias antes do Natal. Eu só não entendia por que na sexta e no sábado de manhã, minha mãe perdeu o sorriso e andava de um lado para outro da casa como se procurasse algo ou alguém. Cochichos daqui, ti, ti, ti, de lá e como eu era a caçula da casa e pouco entendia das coisas e nem me dei conta da tamanha catástrofe sucedida. Anos mais tarde, quando já era moça feita, contaram-me do acontecido.
Durante a noite de quinta-feira, os ratos resolveram sair do Paiol e corre daqui, foge dali dos ataques dos gatos, se refugiaram pelos cantos da casa e no meio dos lençóis, cobertas, toalhas... Se depararam com as bonecas prontinhas e perfumadas. Mamãe acordou na madrugada com o barulho e imagine o desespero dela ao ver gato e rato estraçalhando uma das bonecas em plena cozinha! Desesperada, no meio da madrugada, pôs-se a chorar lamentando o acontecido. Mas como vovó era articulista e criativa, no dia seguinte, véspera de Natal, deu um jeito de concertá-la e colocá-la entre os presentes na árvore de Natal.
Sabíamos que ganharíamos aquelas bonecas, mas não imaginávamos qual delas pertenceria a cada uma de nós. Estávamos tão contentes que, nem dávamos importância para as roupas ou calçados que ganhávamos junto com elas.
Hoje já se passaram uns quarenta anos, mas a nitidez das lembranças nunca me saiu da mente, muito menos a casa, as árvores com seus balanços, os chicotes, as brincadeiras... A Família...