***O batizado do bode***

D. Sinhá morava em uma pequena cidade do interior, onde todos são amigos, hospitaleiros, as casas ficavam de portas abertas e até mesmo se pedia “emprestado uma coada de café” ou mesmo “ o dentifrício”, digo creme dental, isso mesmo D. Sinhá tinha sete filhos, e só o salarinho do marido não dava não! Ela sempre ia à casa de minha mãe com a escova de dente na mão pedindo uma passadinha de dentifrício para o marido escovar os dentes, senão ele brigava, já as crianças eram quase todas banguelas. O marido seu Mané era tão bravo que quando começava a bater, batia do mamano ao caducano!

A vida era muito custosa, o tirajejum era mingau de fubá, e o almoço arrois com abobra madura, e de vez em quando gato, isso mesmo matavam os gatos que apareciam e faziam afogado quinem frango. Café nunca tinha, tomava água doce, as vezes a tarde se comia inhame cozido com melado, eca! Era horrível e ai de quem reclamasse.

Certo dia apareceu no quintal de D. Sinhá um bode, pequeno ainda, e ela meio ressabiada, indagou na vizinhança para ver de quem era o animal, mas não encontrando o dono, resolveu ficar com ele e pensou:

_Êta sorte! Vamo criar o bode, engordá ele e adispois agente comi ele, causdiquê nem sei da era que cumi carne! E o Mané mais as criança tumbém vão adorá a nuticia. Tô intê cum água na boca!

Foi mesmo uma festa, cada criança que chegava e ficava sabendo do acontecido concordava com a mãe, pois já vivia enjoado de cumé arrois cum abroba, e cansado de fazer arapuca para pegar passarinho; falou Nardo:

_A sinhora tá certinha a gente cria ele, nóis tudo vai ajudá a tratá, eu busco cariru de porco todo dia prêle e quando ele já tiver erado, nois passa ele no papo.

Assim foi feito, mas a família nem imaginava que o bode era atentado, vivia fazendo estrepolias, comia as cove da vizinha, comia o milho lá na venda do Bastião, começaram as brigas e reclamações por causa do bode, que aliás tinha nome “Rolete”.

Nada o Rolete perdoava, pois comeu até os “comigo ninguém pode” de D. Rosa, e olha que essa planta é danada de venenosa, mas para o Rolete parecia vitamina. Também pastô as rosera cum ispinhu e tudo! D. Rosa queria matar o bicho com uma paulada na cabeça, mas ele fugiu em tempo. De tudo quanto há de errado que oceis pode pensá esse bode fazia, subia na cerca de bambu, subia no telhado da casa! Sempre arrumava cunfuzão! Num diantava marrá ele , que ele ruía a corda e fugia.

D. Sinhá não aguentava mais, até BO fizeram contra o Rolete, então ela decidiu leva-lo bem cedim ,iantes do sor nacer pra lá da curva da istrada, detrais do cemitério, para ver se ele tumava um rumo, detalhe ela tampô a cabeça dele com um saco, mode ele num vê onde tava seno levado. Feito isso quando o sol começava a raiá, ela se escondeu ditrais de uma moita e tirô o saco da cabeça dele, e vendo que ele tava distraidu bastanu um capim fresquim. D. Sinhá deu nu pé, sebo nas canelas!

Chegando em casa, a mininada já tinha acordado e foram logo dizendo adonde a sinhora tava? Prucausdiquê o Rolete sumiu! E nois vamu percurá ele! Nóis num fiquemo sem o Rolete não!

Oceis ficô doido! O bicho só dava amolação! Eu num guentava mais tanta recramação, vamu tratá de isquecê o Rolete, nossu prano faiô, esse bicho é do demonhu, cruiz in credo! Ave Maria, ando froxa de tanto pelejá com aquele bode nojento! Tava inté pensano em dar veneno prêle. Nem de noite ele dava sussegu! Tô cá cara grande de veigonha da vizinhada.

O dia correu tranquilamente, tirando o desgosto da meninada, e quando tava de dardezinha eles ouviram um berrado conhecido e foram correndo para ver o que era, pois num era o bode Rolete que voltou! Foi aquela alegria, a criançada abraçava, beijava e festejava a volta do Rolete.

D. Sinhá falô: _ Oceis num precisa fazê festa não, que amanhã cedim vou à casa de D. Zuca benzedêra, vê o que ela pode fazer para nóis.

_Ô de casa! Tem arguém ai?? Sou eu D. Sinhá muié do Mané!

_Ô de fora, pode intrá que eu tô aqui no terreru fazenu sabão!

_Vim aqui pramode a sinhora rezá pro nossu bode ficar quieto, bonzinho!

_ Curuis credo Ave Maria treis veis! Isso é um demônhu disfarçado de animár! E quando nasci atentado assim é o coisa ruim que tá nele, ai credo!

_Intê ripiei, subiu um calafrio qui cumeçô no meu dedão do pé e foi parar nos cabelo! Mais perá ai, acho que me alembrei de uma simpatia.

_A senhora tem que buscar o Vigário e pedir a ele que dê um punhado de sal, colocado no colo da batina, assim se o bode cumê o sal, dado por um Vigário ele ficará batizado! E pronto o coisa ruim vai simbora, o bode fica mansinho, livre das tentação do demônhu!

_Deus abençoa a senhora D.Zuca, essa simpatia é minha única sarvação.

A D. Sinhá saino da casa da benzendeira, tratou de passar na igreja para falar com o Vigário a respeito do bode, que só lhe trazia confusão, era endemoniado, ninguém mais aguentava aquele animal. Então contou da simpatia da benzedeira D. Zuca ao celibatário, e pediu-lhe, por favor, que acreditando ou não, que fosse até sua casa para fazer a simpatia.

O Vigário, este era muito, digamos democrático e não se opôs a ir até a casa de D. Sinhá e fazer a tal mandinga. Disse:

_Já vi tanta coisa estranha nessa vida, como casa que pega fogo sozinha, pessoas possuídas, mas bode com o capeta no couro isso é novidade! Vamos lá não custa nada tentar, levarei além do sal, um pouco de água benta, e também o Crucifixo.

Chegando à casa de D. Sinhá o Rolete estava correndo atrás da meninada, saltando e berrando. E quando viu o Vigário arregalou os óios, cavava o chão e babava. O Vigário este estava armado até a batina, digo com o Crucifixo, a água benta e o punhado de sal. Quando o bode correu em sua direção, este começou a andar de fasto, foi afastando e caiu sentado com todos os apetrechos na mão dizia:

_Sai satanás! Sai deste corpo que não te pertence! Em nome de Jesus!

_D. Sinhá gritou:

_Coloca o sal no colo, anda digero!

O Vigário despejou o sal no colo, e com a Cruz em punho em uma das mãos e a água benta na outra, chamava pelo animal que estava indo em sua direção. Já suando frio e com vontade de sair correndo, continuava a ladainha, sai satanás, sai demônio! Santo Antonio! São Manso e São Marcos amansa esse animal!

Quando é fé, o bode se ajoelha e começa a lamber a batina cheia de sal, e o Vigário já mais calmo, respinga-o (asperge) com a água benta a cabeça do bode. O animal foi se acalmando, e deitou-se em frente ao padre, parecia outro animal. Foi quando o vigário retrucou:

_Já vi de tudo nessa vida, mas batizado de bode eu nunca vi!

Todos riram a valer, a simpatia deu certo, podiam criar o Rolete e engorda-lo para comer, mas depois de tanta amizade com o bode será que teriam coragem de leva-lo para a panela?

maria meiga
Enviado por maria meiga em 30/10/2012
Reeditado em 31/10/2012
Código do texto: T3959917
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