O CABOCLO QUE ACHAVA ESTAR MORTO

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Havia um caboclo lá "pros" lados do sertão de Minas, que após ter trabalhado a vida inteira no sustento da família, agora, com perto de setenta anos, aposentado, não encontrava muita motivação para continuar vivendo: seus filhos já tinham partido; sua mulher lhe fazia companhia, mas estava sempre muito ocupada com seu jardim, seus bordados e com as tarefas domésticas.

Sem muito que fazer, o caboclo começou a ficar apreensivo com sua saúde e, sobretudo, temeroso da chegada da morte.

Uma noite teve um pesadelo terrível – sonhou que estava morto e que, num cortejo sinistro, seria enterrado por dois homens que o conduziam a trote rápido, numa rede de defunto. O sonho era tão real que ele acordou pensando que, realmente, já estivesse morto. Apavorado acordou sua mulher que dormia tranqüila ao seu lado, dizendo:

— Mulher, acenda a luz e veja se estou morto!

A mulher acendeu a luz e percebeu o pavor na fisionomia dele, e, rindo por causa da loucura do marido, respondeu-lhe:

— Você está bem vivo. Toque seus pés e suas mãos. Eles estão quentinhos, não é? Se você estivesse morto, eles estariam gelados! Agora, trate de dormir e me deixe dormir também, pois ainda temos muitas horas de sono.

Ele ficou tranqüilo e dormiu e nos dias seguintes até esqueceu o que tinha acontecido.

Lá um dia, montado em seu burrico e levando o seu machado, ele saiu para cortar lenha no bosque que avizinhava sua casa. Antes de sair sua mulher o recomendou:

— Uma banda do céu já tem armação de frio e com certeza vai esfriar! Vista suas luvas, coloque um agasalho, o gorro de lã e suas botas!

De fato, foi só o caboclo chegar ao bosque, correu uma neblina amarelada e começou a fazer um frio intenso! Ele amarrou o burrico em uma árvore, e, tirando a luva, começou a recolher gravetos. Um vento muito forte lhe arrancou o gorro e quando ele tentou segurá-lo encostou a mão na testa e, naturalmente, estava muito fria. Apavorado, lembrou-se daquela noite quando havia dito que se as mãos estivessem geladas e os pés também, certamente, estaria morto! Arrancou depressa as botas e verificou que os pés, também, estavam gelados. Não teve dúvidas e soltou um grito:

— Morri! E agora o que eu faço? Se voltar para casa, morto, vou assustar minha mulher. Se ficar zanzando pelo bosque vou assustar quem me encontrar. Bom, o que eu tenho a fazer é o que todo morto faz: deitar, bem quieto, com os olhos fechados.

Assim, deitou-se no chão gelado, olhos bem fechados, as mãos em cruz sobre o peito e não se moveu mais.

Passado algum tempo, lobos famintos, descobriram o burrico amarado na árvore e avançaram sobre ele. O burrico zurrou e deu coices, mas foi presa fácil, pois estava amarrado e, em poucos minutos, foi devorado.

O homem pensou:

— Que sorte têm esses animas, se estivesse vivo, eu, no mínimo, pegava meu machado e acabava com esses animais em poucos segundos!.

O homem ficou muito triste, pois o burrico o acompanhava há muitos anos.

A matilha, insaciável, prosseguiu rondando o lugar e logo viu o homem imóvel e foi se aproximando no antepé, acautelando-se, já salivando com o novo petisco.

O homem pensou:

— É agora vão acabar comigo! Ah! Mas se eu estivesse vivo a história seria diferente! Eles teriam uma bela surpresa... daria cabo deles em um piscar de olhos!

E assim, aquele homem que se julgava morto, morreu devorado pelos lobos! ®Sérgio.

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Nota: Em muitas passagens deste conto, uso grafia própria do sertanejo, divergente em muitos pontos da ortografia oficial.

Se você encontrar erros (inclusive de português), relate-me.

Agradeço a leitura e, antecipadamente, qualquer comentário. Volte Sempre!

Ricardo Sérgio
Enviado por Ricardo Sérgio em 29/10/2012
Código do texto: T3959020
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