AO TENTAR PESCAR UM BOTO, ACABEI PEGANDO A BOTA
Aquele era o terceiro dia que íamos ao mesmo lugar. Peixe, que era o nosso alvo, nenhum. Parecia que tudo estava “benzido”.Naquele dia, depois de mais de três horas de tentativas, somente dois piaus, estavam presos no viveiro. E não eram dos maiores.
Enquanto tentávamos fisgar mais um piau, dois casais de botos rondavam a canoa e iam espantando os peixes que porventura estivessem comendo na ceva. Logo que chegamos eles apareceram e enquanto eles rondavam nossa embarcação, sabíamos que a possibilidade de pegarmos algum peixe naquele local, era muito pequena.
Chegamos a cogitar em mudarmos de lugar, mas, aquele era um dos melhores locais que havia, para pegar grandes piaus. A falta momentânea deles, naquele dia, era atribuída aos botos que os caçava impiedosamente.Até mesmo as sardinhas haviam fugido do local.Elas deveriam estar embaixo de alguns galhos caídos dentro do rio.
Meio desiludido depois de tantas tentativas fracassadas, mesmo com as mudanças de iscas, anzóis e locais de arremessos, falei para meu companheiro de pesca:
- Pedro, acho que vou tentar pegar um destes botos. Vou iscar um dos piaus que temos no viveiro e jogar bem na frente deles. Com certeza eles irão cair na isca. Depois que eu o pegar, o solto de novo. É só para assustá-los um pouco. Talvez eles se afastem e consigamos pegar alguns peixes.
Enquanto complementava meu pensamento, peguei um molinete maior que havia do meu lado e vendo que a linha era bastante grossa e resistente, falei para o companheiro.
- Esteja atento, pois se precisar, você deverá soltar a canoa e deixar que ele nos arraste até cansar-se.
Conferi todos os detalhes, molinete adequado, linha demultifilamentos, 80 libras, um anzol grande devidamente encastoado com um potente girador. Peguei um dos piaus do viveiro, com cerca de um palmo, isquei-o pelas costas, coloquei-me na posição de arremesso e esperei que os botos voltassem novamente à superfície para que eu pudesse arremessar a isca bem a sua frente.
Fiquei naquela posição de arremesso por mais de cinco minutos, esperando o local e o momento certo, para evitar perder o arremesso.Quando eles, os botos se aproximaram e subiram à superfície, eu lancei a isca bem em frente deles. Entre o tempo da queda da isca nágua e a pegada do boto, foi só uma questão de segundos. Depois que ele pegou a isca, senti o impacto do peso do bruto no anzol, enquanto gritava com o companheiro aos berros:
- Depressa, solte a canoa e se prepare para a luta.
Quando o boto pegou a isca ele puxou diretamente para o fundo e depois ficou tudo novamente quieto. A linha continuava presa, mas o boto parecia ter parado. Puxei, forcei o máximo que podia, para ver se acontecia alguma coisa. A vara ficou totalmente curva, foi então que percebi que boto que estava preso ao anzol, começava a levantar-se do fundo do rio, indo de um lado para o outro à medida que eu ia tentando puxá-lo para cima.
Cheguei a pensar que fosse uma arraia.O peso era grande, mas o movimento era pequeno. Cheguei a imaginar que fosse um pedaço de pau ou até mesmo uma tartaruga.
Naquele momento eu já descartava a possibilidade de haver pegado o boto. O comportamento de minha presa era incompatível com a força e o movimento que eles fazem.
Enquanto eu fazia minhas conjecturas tentando adivinhar o que seria minha presa, meu companheiro ia incentivando-me enquanto mandava uma enxurrada de conselhos. Ele dizia quase aos gritos:
- Cuidado, devagar, não vá deixar escapar seu troféu. Não tenha pressa, deixe ele cansar.
Cauteloso como sempre, eu ia administrando minha presa enquanto ia pacientemente enrolando a linha no carretel do molinete.
Depois de alguns minutos naquela angústia, tentando adivinhar o que estaria preso ao anzol, vi subir lentamente à superfície uma enorme bota. Ela era daquelas de cano longo e que naquele momento estava totalmente cheia de lama o que a tornava tão pesada dentro d’água.
Entre os risos do meu companheiro e as piadas que ele ia fazendo, eu ficava com minha frustação tentando entender de como uma bota, daquele tipo, havia ido parar no leito daquele rio.
Meus pensamentos iam de um lado para o outro, tentando encontrar uma resposta que fosse plausível, e que pudesse explicar o acontecimento. Eu querendo afastar minha frustração e pensando naquele fato inusitado, desabafei em alto brado.
- Consegui, consegui, acabei de pegar uma bota.
Meu colega de pescaria não se continha em risos.
Depois que tirei o troféu do anzol, cuidadosamente, lavei-a enquanto retirava a lama contida nela. Desejava guardar aquele troféu para poder dizer para todos que viessem me perguntar. “Ao tentar pescar um boto, acabei pegando a bota”
Depois daquele acontecimento cômico, os botos desapareçam e logo depois começamos a pegar os piaus que tanto queríamos. Ao fim do dia, havíamos pescado um total de quarenta.
Como eu havia pescado a bota, depois de ver a isca ser carregada pelo boto para o fundo do rio, nunca entendi. Surgiram várias teorias tentando explicar o acontecido, mas nenhuma conseguiu me convencer. Tudo iria ficar sendo mais uma estória de pescador.
Até hoje tenho a bota guardada em minha casa. O boto continua nadando livre no Araguaia, enquanto isso, eu continuo pescando e tentando entender.
15/07/2012 -VEM