ARDóSIA 43 : Manhã de domingo
- Minha mãe... Que bobagem... A gente não devia ter feito isso!
Tânia repete as frases incessantemente, enquanto procura suas roupas, largadas entre o quarto e a sala. No canto, Gil argumenta que “não é porque a gente transou, que precisa casar. Não é tão grave assim”.
- Ai, meu Deus, que foi que eu fiz? - continua, já vestida, buscando a bolsa.
- Você não gostou? Eu fui tão ruim assim?
- Gil, - ela procura esclarecer os fatos - você é um cara legal, não tem nada de errado. Só que a gente não tem nada a ver! Não devíamos ter dormido juntos... Olha aí, já amanheceu!
O rapaz está encafifado. Não é a primeira vez que é largado após transar com uma mulher. Ou é muito ruim, ou seu desempenho é tão fabuloso que as assusta. Prefere acreditar na segunda opção.
Tânia, vestida e bolsa na mão, despede-se. “A gente se fala”. Vai até a sala e abre a porta. Dá de cara com Roni e Téo. “Que bosta”, reclama enquanto retorna ao quarto. Sem saber o que fazer, senta na beira da cama. Percebe a bobagem, deveria ter passado reto e ido embora. Agora espera; estão os três rapazes conversando na sala.
- Não é da conta de vocês!
- Pra dizer a verdade, ela saindo a esta hora, e você de cueca... A gente sabe muito bem o que aconteceu aqui... - Diz, entre sorrisos, Roni.
- Caraca... E a gente veio aqui pra te animar... Combinar pro futiba de domingo... - estupefato, completa Téo.
Alguém bate na porta. Entra Laura.
- Eu sabia que vocês estavam aqui! Quero falar com o senhor, seu Roni. Foi você que mandou esta porcaria de carta pra mim? Que história é essa de ficar me ameaçando? Perdeu a noção do perigo?
Percebendo o constrangimento dos três, Laura pergunta o que acontece por ali. Doido por uma fofoca, Roni solta que “Tânia tá lá no quarto. Dormiu aqui”. Ele recebe a carta no peito, ouve um “A gente conversa sobre isso depois. Não vai embora não!”, e vê Laura em direção ao dormitório.
- Vocês já ouviram alguma garota reclamar que eu transo mal? - pergunta Gil.
No quarto...
- Amiga, não precisa dizer nada! Eu sei... Sei lá como aconteceu, quando percebi estávamos acordando às nove e meia da manhã, na cama dele, pelados, ele com um sorriso estúpido no rosto.
- Só vim ver se tá tudo bem. Você não precisa me explicar nada.
- É que nem eu acredito...
- Mas me diz... - Laura cochicha - O Gil trepa bem?
Nesse momento, entra Roni correndo:
- Laurinha! Você recebeu uma carta! Santa Edwiges também se voltou contra você!
- Não me tira do sério, rapaz! Eu sei que foi você! Até os erros de português são tipicamente teus!
Laura recebeu uma carta digitada: “Laura. Vc mandou o Roni joga a carta fora. Tb é cupada. Espere muito asar!”. Em letras garrafais, as poucas palavras ocuparam quase toda a folha, colocada na caixa de correspondências da casa. Na certeza de que fora Roni quem lhe queria pregar uma peça - desforra por tê-lo convencido a desfazer-se de carta similar, trazendo-lhe toda sorte de azar - Laura discute com Roni no quarto.
Tânia, à francesa, esquiva-se até a sala; na passagem percebe Gil fazendo café, de cueca: “Tá um circo isso aqui, quem liga como estou vestido?”, pensa o dono da casa. Antes de chegar à porta da rua, Tânia dá de cara com Téo. Agora, sim, o constrangimento pesa toneladas no ar. Desde o episódio no qual Tânia o acusou de paquerá-la - e que quase lhe custou o noivado com Laura - nunca estiveram a sós. Téo, aliás, não gosta sequer de encará-la. Fica observando um quadro na parece. Tânia, após breve pausa, dá passos rápidos até a porta; mão na maçaneta, titubeia. Volta-se pra ele.
- Olha. Téo...
O rapaz finge-se de surdo.
- Quero me desculpar.
- Pelo que? - pergunta olhando o chão.
- Você sabe... Aquela vez, no ônibus. Eu forcei um pouco a situação. Nunca tive certeza se você estava ou não de olho em mim.
- É claro que não estava! Você sabe muito bem, eu fiquei vendo o Roni paquerar a Kiara!
- Tudo bem, eu acredito. Foi uma fase complicada... Eu e o Naldo estávamos muito mal, eu queria descontar nos outros. Sobrou pra você e a Laura. Graças a Deus vocês estão bem... Eu... Putz, você sabe, perdi o Naldo. E gostaria que você curasse essa raiva de mim; eu gosto muito da Laura.
- Esquece... Um dia passa...
Tânia recoloca a mão na maçaneta e, antes de girá-la, emenda:
- Esse teu amigo é muito ruim com as mulheres, hein? Que cantada horrível aquela do Roni!
- Caraca... É verdade...
Ambos riem. Gil entra oferecendo cafezinho.
- Vai se vestir, pelamordedeus!
Ele obedece. Tânia aproveita para sair: “Diz pro Gil que deixo um beijo. Depois eu ligo pra ele”. Téo acena com a cabeça. Poucos segundos depois, ainda discutindo sobre a carta, chegam Laura e Roni, expulsos do quarto por Gil.
- Téo! Tua mulher também recebeu uma carta de Santa Edwiges! E tá achando que fui eu! Juro que não!
Observando a folha, Téo comenta que “ele nem sabe mexer em computador”.
- Não defende teu amigo! - Laura sai batendo a porta.
Téo, preocupado com a esposa, corre atrás. Roni, apavorado com a nova correspondência, senta no sofá. Relê. Desespera-se. “Será que meu azar vai passar pra Ardósia inteira? Isso que dá ter azar demais em cidade minúscula!”. Levanta-se e vai embora, rumo à sua casa.
É mais seguro.
Gil, devidamente vestido, encontra a sala vazia.
- Pessoal?
Intrigado, tenta entender o que acontecera nas últimas horas até aquele instante. Desiste; melhor não. Liga a tevê. “Será que o futebol ainda vai rolar?”. Pega uma xícara.
- Caramba, vai sobrar café!