A BELEZA DE CADA UM
Certa que nunca saberiam, dona Raimunda, noutros tempos a mulher mais cobiçada, tornara-se tão beata que não havia uma dia que não fosse à Igreja. Era tão demasiada devota, que o padre não fazia nada sem lhe consultar, não porquê fosse a que mais dava suas contribuições, mas era tão devota que o eclesiástico lhe atribuía certa santidade a ponto de, sabe-se lá quem começou, correr pelas redondezas, que quando ela partisse, o céu se abriria para recebê-la. Não era uma senhora, tinha lá seus 40, mas era tão beata que seus trajes e apetrechos lhe davam a aparência de próxima dos 70. Assim, e por muito tempo, dona Raimunda, que já fora feia de cara, porém cobiçada por outros dotes que despertavam pensamentos libidinosos, já naquela altura se tornara assunto dos mais variados e maldosos. . O fato é que, para os mais antigos, e muitos dos quais seus contemporâneos, era até misterioso como se transformara naquela beata. Por parte dos homens falava-se que volta e meia, os mais audaciosos, e não porquê menos respeitosos, não era raro lamentos de "um desperdício sem tamanho" ou "como pode contrariar, assim, a natureza que lhe presenteou com essa protuberância glútea", muito, embora, quem assim dissesse, nem sabia o que era protuberância. Diziam que a transformação se dera quando ao olhar-se no espelho, achou-se tão feia que dera um grito que a cidade toda ouviu, que não conformada com tamanha aberração, ajoelhou-se e fez promessa para que se tornasse a moça mais linda do condado. Ninguém sabe precisar se foi assim, mas todos são unânimes que logo no dia seguinte, ao olhar-se, meio ressabiada, é verdade, no espelho, ficou tão impressionada que já no mesmo dia resolveu financiar a reforma da capela, reforma que já fazia duas décadas prometida e adiada. Então, desde aquele dia, dona Raimunda, chovia ou fazia sol, saia de sua casa com seu terço e sua bíblia e ia à Igreja. Não conversava nada que não fosse sobre santos e milagres. Costumava, na falta do padre, ler trechos inteiros da sagrada escritura e, ainda, dar penitências aqueles(as) que se desviavam do bom caminho. Dona Raimunda nunca soube, mas quando passava, havia olhares discretos pro seu rosto, mas atentos para os avantajados glúteos, que diziam as más línguas, que no dia em que o Pai lhe chamasse, haveria dois velórios.
O tempo, todos sabem e sabiam, não espera e nem descansa. E foi num dia de chuva, muita chuva, que ninguém viu dona Raimunda; até o padre, naquele torrencial dia, ficou na capela a esperá-la e ela não apareceu. Não satisfeito com a ausência, após ter diminuído o dilúvio, o padre foi até sua casa. Esperou por algum tempo, e como ninguém veio recebê-lo, tomou a liberdade de entrar, pois, naquela cidade não se tinha o habito de trancar as portas. Ao entrar nos aposentos de dona Raimunda, e sem se surpreender, o padre depara-se com seu corpo inerte; já sem vida. Após rezar pela alma daquela que reformara a casa do Senhor, fez a encomenda ao Pai e saiu para anunciar o ocorrido.
O dia do velório trouxe àquela pequena cidade, autoridades: veio o juiz, o prefeito, vereadores, gente do jornal, primeiras e segundas damas, enfim, nunca se havia visto tanta gente importante junto. Houve discursos e mais discursos; falou-se até, em fazer um monumento à dona Raimunda, pois, mais que ninguém, ela era a prova viva, quer dizer, quando era viva, que aquele que crê, alcança. Não houve quem contradissesse. Os vereadores aprovaram a construção; o prefeito fez comício para anunciar o início das obras, banda foi chamada, tudo conforme haviam prometido. E por fim, decorridos alguns meses, tudo se repetiu no dia da inauguração.
Era o monumento mais visitado, e dizem a más línguas, que casamentos foram desfeitos, pois, maridos mais atrevidos foram flagrados, em lágrimas, com as mãos nos protuberantes glúteos daquela que não sabia, mas tinha uma beleza de causar inveja a muitas das mais belas moças da cidade.