AMOR SELVAGEM
Bestonildo cuidava dos afazeres do pequeno quinhão de terras, herança de três gerações. Terra boa, que abundava em água, fazia vingar toda semente lançada a ela. Dedicado, nunca deixava a labuta do dia-a-dia por conta do velho pai . Aquele pedaço de terra era o esteio da família. Dali era tirado o sustento da prole que ao todo se somavam nove, mais a sobrinha, que depois de morar muitos anos com o compadre, padrinho dela, veio a ficar sozinha com a morte dele .
Bestonildo não se interessava pelas diversões. Nunca aprendeu dançar e além do mais ficava muito longe a vila onde, todos os fins de semana, a sanfona do Zé da pinguela ouriçava a moçada numa noitada de forró. Cachaça rolava mas Bestonildo também não bebia. Só sabia enrolar, e isso o fazia muito bem, um picão de palha de milho com fumo curtido em casa. Forte mas ao gosto. E nem a priminha, já mocinha, que deixava os peitos soltos quando corria na relva, o fazia interessar-se por ela.
- Conversa, uái ! Assanhada que nem o bicho ! É fia dele ... ou intão intiada ... ta querendo mim imbruiar nisso ... e dispois ? ...
Gostava dos animais. Isso ele gostava. Tinha um carinho por todos, desde o Labão, cachorro magricela que a velhice já envergava o dorso, até a esbelta Criola, égua de pelo escuro que causava inveja aos seus vizinhos.
Bestonildo estava ali, abobalhado, diante da bela e esguia égua de pelo escuro. Prenhe.
- Chega pra lá - era a priminha de peitos soltos – vai cuidá no fogão com a mãe ... ou intão prorcure otro interesse. Aqui é só eu. Eu e minha Criola.
A priminha se afastou com uma caramunha.
- É fia dele mermo ... ta doido, uái !
Mais se aproximava o dia da égua de pelo escuro pari, mais o Bestonildo, que não dançava, não bebia, achava que mulher era filha do bicho e enrolava, e muito bem, picão de palha de milho e fumo curtido em casa, se dedicava a ela. E agora , a maior parte do tempo, passava ali, proseando – com meus botões - como dizia ele mesmo.
Chegou o dia. Finalmente a esguia égua de pelo escuro, a Criola, pariu.
- Santo pai, que coisa linda ! Tem o pelo que nem da mãe. Neguinha ... é isso mermo, Neguinha ...
Bestonildo se deliciava com a potranca de pelo escuro que a esguia Criola dera à luz.
Os dias passavam. Neguinha crescia – Já mocinha ! – exclamava Bestonildo - quando te banho ali no corgo tu bria que nem a estrela que espera eu dormir pra dispois se adispor dos seus afazeres.
E Neguinha ficava esguia. Era o retrato da Criola. Bestonildo queria levar a colheita para a vila na Criola. Queria mostrar a Neguinha mas o velho pai proibia – Ta muito nova! E além do mais ta cheio de oio grande por aí .
Bestonildo passou a dedicar-se quase que totalmente à potranca de pelo escuro que já pastava sozinha. Entendiam-se. Bestonildo já lhe confidenciava aos ouvidos .
-Você não é que nem aquela ... aquela fia do bicho. Não tem peitos soltos e nem pricisa
Eu gosto de você . Gosto mais do que daquela ... deixa pra lá. Você é minha namorada. Acho que divia inté dormir no meu quarto pra mode de ninguém lhe fazer mal. Um dia nós vai na vila pra todo mundo lhe conhecer.
E Bestonildo começou a se distrair. Esquecia dos afazeres quando se entregava aos carinhos com a Neguinha. O velho pai justificava - É dele mas já ta prijudicando. Só pensa em mostrar a belezura da pequena. Já vi que pra tirar isso da cabeça é só deixar que ele leve. E isso vai ser hoje. Ora se vai !
Bestonildo acordou assustado. O velho pai lhe cutucava as costelas.
- Tu vai à vila levar algumas bananas ... e vai na égua, a Criola. Olhe lá, não bota peso na Neguinha.
Bestonildo correu para a bica d’água e se banhou rapidinho.
- Que é isso, uái ? Tu não vai pra festa não, sô . Vem comer o biju e tomar o café de caiana, que tá uma dilícia, e coloca alguma coisa no borná pra chegar cedinho na vila .
Bestonildo comeu apressado. Estava sonhando com ela, a Neguinha.Quase esquecia o chapéu de palha, a sacola de fumo curtido em casa, o canivete e as palhas de milho.
No meio do caminho o sol se erguia preguiçosamente. Bestonildo entrou por um atalho, amarrou a Criola numa moita de capim ainda molhada pelo sereno e se afastou com a Neguinha. A potra, filha da égua de pelo escuro, a Criola, mocinha como Bestonildo dizia, não se negou aos carinhos do caipira, ouviu-lhe as confidências e se amaram .