ARDóSIA 41 : Ora veja...
- Podem deixar comigo! Hoje você não come mais macarrão instantâneo, Gil! Levanta a cabeça, rapaz! Eu preparo o almoço para a gente!
- O que vai ser? Tô mesmo com fome.
- Vou preparar um delicioso macarrão com molho branco, misturado com presunto e queijo e pitadas de azeitonas!
- Caralho, macarrão de novo?
Gil recebe Roni e Téo para almoçarem em sua casa, a pedido de seu Ariosto, preocupado com o desânimo do filho após o fim do relacionamento com Sol. Faz pouco mais de um mês e somente agora ele esboça alguma reação. O cardápio ficou a cargo de Téo, que garantiu tratar-se de um prato sempre elogiado por Laura e sua família.
- Gil, não fala palavrão...
Seu Ariosto passa pela cozinha, repreende o filho, e pede para ser chamado quando o almoço estiver pronto. Gil percebe a cara de preocupado de Roni, agradece por sua amizade, mas diz não ser preciso tanta apreensão, sente-se melhor, não tem pensado tanto na ex-paixão.
- Antes fosse isso! - intervém Téo - O mané tá encafifado por causa de umas cartas que vem recebendo. Sabe quem tá mandando? Santa Edwiges!
Roni decide explicar, percebendo a incógnita face do amigo.
- Era uma corrente da santa. Eu tinha que mandar várias outras mensagens para ser abençoado, mas a querida Laura fez o favor de me convencer a jogar a carta fora e agora tenho sete anos, ou sei lá quantos, de azar!
- Sete anos é para quem quebra espelho... - corrige Téo, recebendo o dedo médio de Roni como resposta.
- Pensei que cê tava preocupado comigo...
- Caraca! Mas é grave! Eu nem ia contar, mas olha só! - retira um papel do bolso - Recebi outra! É a quinta, em menos de um mês!
A carta é impressa em tinta negra, a laser. Possui algumas falhas, alguém precisa avisar Santa Edwiges a trocar o tonner. Diz o texto: VC E UM BANANA. VAI SOFRE AS CONSECUENCIAS. NÃO PUDIA QUEBRA A CORRENTI. TEM +: O AZAR VAI PASSA PRA TEUS AMIGOS. Ao final, no que seria a suposta assinatura, está impresso apenas “santa”.
- Eu tava aqui fudido... E você preocupado com uma bobagem dessas? É mesmo um banana!
- Cê não ficou sabendo que eu perdi o emprego, rapá?
- Você mais faltava que outra coisa! Queria o que?
- Cala a boca, Téo! Olha essa água! Tá fervendo e você ainda nem colocou óleo, sal, porcaria nenhuma!
- Sal?
- Você tempera com o quê?
- Jogo o molho branco depois de cozido o macarrão...
Gil perde a paciência.
- Desliga essa porcaria! Telefona pro Jesuíno e manda trazer quatro sanduíches!
- Olha aí! Olha aí! Que azar! Perdi um almoço caseiro pra comer a gororoba que a Evandra cozinha!
- Ou você cala a boca ou você vai ver o que é azar.
Resmungando baixinho, enfiando o papel já amassado no bolso traseiro da calça, Roni vai até a sala. Senta-se ao lado de seu Ariosto, que assiste televisão. Avisa-o da mudança de cardápio. O velho senhor lamenta, pois queria experimentar o “famoso” macarrão, mas reclama mesmo é da dor nas costas que o persegue desde que deu um mau jeito mudando a mobília de lugar.
- Dei azar...
- Seu Ariosto, o senhor já quebrou alguma corrente?
- Como é?
No outro lado da casa, Gil sai da cozinha irritado, seguido por Téo. Se a intenção era erguer o ânimo do amigo, Téo percebe terem feito uma grande caca. Ele se prontifica e telefona ao “Boteco da Eva”, pedindo a Jesuíno os lanches. Enquanto isso, Gil senta no computador e começa a ler seus e-mails. “Já pedi quatro xissaladas”, senta Téo num canto. “Detesto alface em sanduíche”, retruca Gil. “Vai à merda”, murmura o amigo. Gil escuta, mas ignora; está nervoso e uma discussão naquele momento não daria em boa coisa. De repente, o mulato rapaz solta um “Olha só, que estranho...”. Téo se aproxima por trás e o acompanha abrir um e-mail... da Tânia! A viúva que decidira levar uma vida monástica após a morte do marido, traído tantas vezes.
“Oi Gil. Tudo bem com vc? Espero que esteja melhor. Lamento pelo ocorrido, só agora a Laura me contou o que aconteceu com vc. Como sabe, eu tb tive uma grande perda e está sendo muito difícil superar. Talvez nunca supere. Mas a vida precisa continuar, não é mesmo? Estou torcendo por vc, e espero que torça por mim. Deve estranhar este e-mail, pois nunca tivemos muito contato, mas sempre te achei o mais interessante dos amigos da Laura, o mais educado. Enfim, estamos os dois passando por um momento difícil, precisando levantar, sacudir a poeira e dar a volta por cima. Quem sabe, a gente não podia sair qualquer dia? Não me entenda mal... Um café apenas, para conversar, ajudar um ao outro. Talvez um vinho. Bjs. Tânia”.
Faz tempo, tempo mesmo, que Gil não abre esse sorriso no rosto.