ARDóSIA 39 : Tem culpa eu?

Tobias está preocupado. Apesar da Presidente dizer que está tudo às mil maravilhas, seu negócio não vai bem. Pensa daqui, analisa dali, e está duro de encontrar uma maneira de sair do vermelho. A contragosto, cogita a possibilidade de demitir um – talvez dois – empregados de sua marcenaria. Detesta mandar alguém embora. “É um trabalho sujo, mas alguém tem que fazê-lo”, ouviu uma vez. Gostou, é a mais pura realidade. Só que não ajuda em nada. Enfim... Chama Durval, o gerente; explica a situação e expõe as possibilidades. Durval franze a testa.

- Rapaz, esse negócio de colocar funcionário no olho da rua é muito chato. Nem lembro da última vez... Foi o Ronildo, não foi?

- Não, seu Tobias. O senhor até comentou que ia mandar o Roni embora, mas ficou só na conversa. Eu até acho que deveria, aquele vagabundo mais falta do que trabalha.

- Sério? Eu podia jurar que tinha sido demitido! Faz tempo que não vejo ele por aqui!

- Pro senhor ver...

Assunto encerrado. Problema resolvido.

Téo, sentado no sofá da sala, rascunha num caderno as determinações para o novo ano. Tudo bem, janeiro começou há alguns dias mas, enquanto o carnaval não chega, ainda permite-se considerar as resoluções que irão mudar a vida durante os meses seguintes. De qualquer maneira, nunca são colocadas em prática mesmo. Logo após escrever (e riscar) o item terceiro: “mais pulso firme quando perceber tô sendo embromado”, a campainha toca. Na porta, um chateado Roni anuncia que perdera o emprego.

- Véio, me botaram pra fora na maior... sem motivo!

- Você tem faltado muito, não tem?

- E daí, véio? A culpa é da Laura!

- Como assim? Que ela fez?

- O que? Vou te dizer o que ela fez! Tua esposinha me convenceu a jogar aquela carta fora! Agora eu tô condenado a ter azar por sete anos!

Laura, de toalha na cabeça, aparece para ver o que é aquela converseira toda.

- Por tua culpa perdi o emprego! Você fez eu jogar a carta fora e agora o seu Tobias me demitiu!

- Ah tá. Você falta dia sim, outro também, e a culpa é minha? Ou pior, de uma porcaria de carta?

- Porra! Todo mundo sabe que eu falto no trampo?

- Não olha pra mim, não fui eu que contei pra ela...

- Não interessa! Vocês viram o Timão? Foi super mal no Brasileiro!

- Cara, isso foi ano passado! E o que tem a ver com você?

- É meu time! O azar começou antes porque Santa Edwiges sabia que eu ia ser convencido a jogar a carta fora! Aposto que o Coringão vai ser rebaixado no Paulista!

Laura não se conforma em perder tempo ouvindo aquilo; Téo fica na dúvida se ri ou tem pena do amigo; Roni observa os dois e faz cara de quem não está gostando de nada... então a cara muda, como se sentisse dor.... e aí grita. De dor. O grito vem fundo e doído. É real.

No Pronto Socorro, suspeita de pedra no rim. A dor é incontrolável, sob o ponto de vista de Roni. Viadagem, segundo Laura. Como seu caso não é dos mais urgentes, o dolorido rapaz está, sob efeito de analgésicos, sentado num banco dos corredores do PS. Resmungando, é claro: “A carta... eu não podia ter jogado a porcaria da carta... É culpa tua!”. Encostada na parede contrária, Laura observa o amigo, sem qualquer pingo de paciência para responder às bobagens. “Agora vou ter que operar! Sentado num corredor de hospital, prestes a morrer numa mesa de cirurgia!”.

- Amor, vou esperar lá fora, tá bem? - Laura sai, após o sorriso complacente de Téo.

- Olha só...

- Cala a boca, Roni! Você não tá ajudando nada! Caraca, não tá vendo que a gente tá te ajudando?

- Lógico... Dor na consciência... - resmunga o rapaz, enquanto Téo se segura para não soltar uns catiripapos no quase ex-amigo. Chega então o enfermeiro com os resultados dos exames de sangue e urina.

- Boa notícia, seu Ronildo! Não é pedra no rim, não. Infecção urinária... Alguns comprimidos durante uma semana e o senhor vai ficar bonzinho!

- Tá vendo, babaca? Você teve é sorte! Não vai ser operado nem nada... é só infecção urinária. O doutor que disse!

- Só? Você tem a cara de pau de dizer que é só? Meu mijo tá doente! Xixi infectado, porra!

Com a receita na mão, encontram Laura na saída. “A moça tá bem?”, provoca. “Não graças a você! Nem vou dizer o que eu tenho, dá até vergonha! Depois teu marido te conta!”. Ao perceber o olhar intrigado da esposa, Téo esclarece tratar-se apenas de infecção urinária.

- Pomba! Eu disse pra você...

Passo em falso num dos degraus e Roni rola escadaria abaixo. Machucado, orgulho ferido, levanta-se, limpa a roupa, e segue caminhando de cara amarrada. Téo e Laura trocam olhares, um tanto apreensivos.

- Será? - sussurra Téo.

- Deixa de ser tonto, já não basta ele? - depois de dez segundos pensativa, quase (só quase) cogitando a real possibilidade de alguma relação com a carta dispensada, ela completa: “Se for azar, bem feito. Que cara chato!”.

Nichollas AIberto
Enviado por Nichollas AIberto em 12/10/2012
Código do texto: T3928786
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