O Meu Avô - O Enterro

Imagines tu, ó leitor – que tanto estimo - uma estrada de chão, uma comprida estrada de chão, de terra avermelhada que se desenrola e faz curvas feito uma cobra cruzeira. Tendo em mente uma vista aérea da tal estrada de chão, visualize agora no corpo dessa serpente de terra uma nuvem de poeira seca, e em meio à poeira faça surgir um amontoado de gente andando enfileirada que nem formiga, bem à frente do cortejo vai um caixão branco, trata-se de uma marcha fúnebre e a estrada de terra vermelha vai dar num cemiteriozinho de campanha. Em meio a essa gente que lastima e chora, vai o meu avô, meio contrariado, ele vai indo pra onde os outros vão, sem saber quem é o defunto e sem conhecer uma sequer daquelas almas viventes que seguem a branca urna. Não que meu avô fosse um homem desrespeitoso – longe disso, devo bem dizer a alma do velhinho que jaz há tantos anos - porém, dessa feita os seus motivos não eram dos mais respeitáveis, posto que o meu avô estava ali seguindo a poeira daquela pobre alma com um único interesse, estava cuidando uma negrinha nova e acinturada que por uma meia dúzia de vezes andou se fresqueando pros lados dele que já andava querendo um namoro; aconteceu que estando o meu avô bebendo na beira dum boteco, viu passar o féretro, mirou a negrinha que por sua vez fez um pequeno ar de arreganho e foi o suficiente para que o meu avô tomasse lugar no cortejo. O meu avô, todo desconfiado, se olhando e olhando os outros, sentia-se um tanto mal, uma por estar meio tragueado de cachaça e outra por que seus trajes destoavam do restante da tropa, que vestia unicamente a cor preta, sendo que o meu avô usava uma bombacha listrada em tons acinzentados e um casaco amarelo queimado que servia de abrigo a uma garrafa que ele trazia escondida. O meu avô, intentando alcançar a negrinha que ia bem perto do caixão, começou a acelerar o passo, muito mal quisto pelos integrantes da cerimônia que imediatamente começaram a meterem-lhe os olhos feios, sussurrando e conspirando contra o intrometido, mas o meu avô de nada fazia causo e só queria se enfiar aos trancos e barrancos até alcançar as bandas da negrinha. Já no portão do cemitério, o padre que ia bem à frente, fez parar a marcha e ergueu a voz: - Amados irmãos, faremos aqui uma oração... O meu avô, pouco atento ao que dizia o padre, aproveitou o momento em que o povo se amontoava em roda daquela caixa branca, para chegar bem pertinho de sua negrinha, mas, o povo se apertou rápido e o meu avô que estava mal de reflexos só o que pôde fazer foi esticar o braço e torcer um beliscão na anca da negrinha. De repente uma ventania dos diabos fez levantar toda a terra do chão, fazendo com que o meu avô não enxergasse um palmo à frente do nariz! Uma gritaria de homens e mulheres desesperados inundou o ambiente e o meu avô de longe em longe avistava algum vulto de vestido ou casaco preto correndo para o mais longe possível! O meu avô foi surpreendido por um golpe de espada afiada que cortou seu braço esquerdo, rasgou seu casaco amarelo e o que foi pior, botou fora toda a cachaça que ele trazia. – Tchê, mas que desaforo! Gemeu o meu avô quase chorando! Puxou da cintura uma adaga de prata e firmou as vistas a fim de ver quem era o seu desafeto! Um gaúcho cabeludo, montado num cavalo branco – coisa mais linda o animal -, de espada em punho, já tinha deitado uns três ou quatro daqueles morcegões de terno preto que seguiam o cortejo e agora o desgraçado queria por que queria degolar o meu avô! O cabeludo sampou-lhe o fio da espada em direção aos cornos do meu avô que intercedeu o golpe com sua pequena adaga prateada e assim se apegaram por mais de hora! Não sei porque cargas d’água, mas, o cabeludo bandido parecia que era alma de outro mundo, pois, em momento algum mostrou ares de cansaço, peleava firme depois de quase duas horas como se recém tivesse começado! Por essas e outras o malvado conseguiu tombar o meu avô, que era bagual macho e grelou os olhos para a cara do desgranido como quem diz: - Sou metido até pra morrer! O gaúcho cabeludo, enfiou a espada na bainha, desceu do cavalo branco, meteu as garras no caixão branco e abriu-o. O meu avô ficou encantado com a beleza da defunta, uma moça formosa, bochechas rosadas, tinha por volta dos dezoito ou dezenove anos; o cabeludo ajoelhou-se no chão de terra vermelha e deu um longo beijo na boca da falecida, depois pulou no lombo do cavalo e saiu levantando poeira e vento pela estrada afora. O meu avô ficou ali sentado, cabisbaixo, sentido pela negrinha e pela cachaça.