TÕ CADIQUINHO DE PRESSA
- Tinha nascido não, aliás, acho que era um óvulo e um esperma ainda separado. Lembro direito não! Mas tamém, né! Dispois de tanto tempo!
- Prosa isquisita cumpade!
- Mais parece que foi uma correria danada quando meu pai deito ca minha mãe, intende?
- ...
- Nóis era um tantão e só pudia chegá um no distino finar, intende?
- Cê ta falano que lembra de quando ainda era um isperma?
- Antão. Cheguei primero e hoje tô aqui prusiano cocê.
- Cê num ta mei ruin das muringa não cumpade?
- Não cumpade; só tô pelejano pra intendê proquê os povo de hoje anda nessa corriria sô!
- Cê num tá quereno cumpará esse tanto de gente correno, cos isperma, ta?
- Mais num é tar quar não?
- Uai cumpade, ocê foi o esperma vencedô e nasceu. E esse povo da capitar correno desse jeito, ganha o quê quessa curriria?
- Uai, es ganha dinhero pra cunsumi.
- Antão num tem ninhum ganhadô suzinho?
- Tem sim cumpade. Mais ao contrário da briga dos isperma, quem leva o lucro do útero do consumo é o tar de capitar.
- Mais isso pode sê nome de gente não sô!
- Esse trem né gente não...
- Mais cadê ele?
- Tá pa toda banda quinóis óia.
- Cadê, cadê?
- Qui nóis vê não, tem qui na cidade pra vê o povo consumino!
- Se consumino?
- Não cumpade. Gastano os cobre do suor do trabaio.
- Mais antão o tar de capitar num ter curpa não...
- Cê que pensa. Esse bicho tá mordano o jeito do povo vivê.
- Né possive?
- Muié de bunda poca tá ficano bunduda.
- Né possive!
- Os tar de pulítico, lá pra trais, nos tempos de nossos pai; preocupava co povo, hoje ês só pensa no borso dês...
- ...
- Lembra daquele banco da praça quinóis ficava sentado veno as moça passá pra arrumá uma namorada?
- E o tanto quera bão, né memo cumpade?
- Gora a prefeito deu pro banco de verdade fazê uma agência daqueas grandona...
- Banco de verdade cumo?
- Banco do Brasil! Cridita? O povo brasilero tem inté banco!
- Pra nóis sentá?
- Rsrsrsrs... Só se fô no colo. É nesse tar banco que o capitar fica, intende?
- Cumé qué a cara do bicho?
- Ele sempre fica invorvido cos paper...
- Me impresta a cartuchera cumpade?
- Pra quê?
- Amanhã vô na cidade.
- Mais lá num pode i armado não sô!
- Mais sê memo num fala que a pulícia, qui vive armada, tamém num trabaia presse tar de capitar?
- É, mais es tem a tar de lei!
- Lei do capitar? Num pode matá bicho mais pode matá moça pobre?
- Uai cumpade...
- Dá a cartuchera aí cumpade, sumo amigo o não?
- Mais ocê num vai achá o tar de capitar sô!
- Impresta, o não?
Depois de o compadre pegar a cartucheira emprestada e sumir na curva da estrada ouviu-se um tiro matreiro, daqueles de jogos de artifícios onde o céu se iluminou com a frase: “Discurpe cumpade, tô cudiquinho de pressa de prusiá cum meu Sinhô!”
JOSÉ EDUARDO ANTUNES