O maligno dentro de mim
Na enfermaria da ala oncológica do hospital uma mulher sofre. Era evangélica e estava só sem acompanhante.
- Eu não quero ver ninguém, não quero falar com ninguém, ninguém vai me compreender. Sempre fui uma moça caseira, nunca gostei de muita farra, sempre preferi a minha casa à rua. Quando criança era da casa pra escola e da escola pra casa. Passei a freqüentar a igreja na adolescência, conheci meu marido na igreja e meus filhos são criados no temor de Deus. São filhos maravilhosos, tementes a Deus, assim como o meu marido.
- Eles querem vir aqui me ver, falar comigo, mas eu não quero.
Eu não tenho coragem de olhar para eles...
Eu não consigo compreender, já pensei de tudo que é jeito, mas não dá pra entender.
Não que eu não tenha pecado, devo ter muitas, mas vejo tanta gente pior, fazendo tudo de ruim, tantas coisas erradas...
Depois desse desabafo, a mulher virou-se e chorou silenciosamente por vários minutos. Silenciosamente permaneci ao seu lado aguardando que as lágrimas de alguma maneira lavassem a sua dor.
- Faz uns seis meses que eu comecei a sentir dores, depois veio o sangramento. No começo pensei que fosse a menstruação, mas era diferente, era alguma coisa errada que estava acontecendo dentro de mim.
- Quando a dor piorou e eu não podia mais suportar, o meu marido me levou ao médico, ele disse que não era nada, me deu um remédio e me mandou para casa.
- Depois disso, nunca mais fiquei totalmente boa, sempre uma dor incomodando, o sangramento que vinha e não parava... Um dia a dor veio mais forte e eu estou aqui. O doutor diz que é um tumor, e que é do maligno.
Voltou a chorar, copiosamente, desesperadamente, e entre soluços continuou.
- Meu marido já sabe que o tumor é maligno, nem sei como pude olhar pra ele, não sei o que dizer pra ele. E meus filhos? Eles não sabem de nada... Como vou poder dizer para eles... Como pode acontecer comigo? Por que justo eu? Mas está crescendo dentro de mim, e é do maligno.
Demorei a entender a verdadeira dor daquela mulher. Não era o câncer que corroia seu ventre, não era o medo do tratamento agressivo a que seria submetida, e nem o medo da morte. Era a sua relação com o maligno, o que ela carregava no seu ventre era do maligno. Ela sentia que era a culpada. Como explicar para o marido que uma semente do maligno crescia dentro de si?