A fuga

Minha mãe, duas vezes por ano, nos obrigava a tomar lombrigueiro para nos manter livres dos vermes. Na véspera, na hora do almoço, ela avisava:

- Hoje ninguém vai jantar. Amanhã é dia de tomar o lombrigueiro; vocês sabem que é preciso ficar muitas horas sem comer para o remédio fazer efeito.

Ao ouvir o aviso, nossos olhares interrogativos e assustados cruzavam a mesa de um lado para o outro, acompanhados por murmúrios que tinham todo um ar de descontentamento. Tudo isto era por causa dos transtornos que o tal medicamento nos causava. O lombrigueiro, uma pílula maligna que estourava no estomaga e ia pra o intestino expulsar lombrigas, chamava-se Panvermina. Mas, levávamos dias para nos recuperar da sua ação devastadora. Outro bom motivo para detestar aquele remédio, era principalmente o gosto repugnante que deixava na boca, além dos arrotos fétidos que subiam pela garganta e chegava até o nariz. Minha mãe fazia de conta que não vira nem ouvira nada e terminava a conversa afirmando que o lombrigueiro só fazia bem.

No dia seguinte bem cedo, ela passava de cama em cama com as pílulas de panvermina numa das mãos e na outra um copo d’água. Todos tinham que tomar. Despejava na mão de cada um a quantidade correta do medicamento e nos empurrava goela abaixo, de uma só vez, aquelas pílulas mal cheirosas e enjoativas. Às vezes, era preciso apertar o nariz com os dedos, para não vomitar. Se alguém jogasse fora, ela as apanhava no chão, lavava e o obrigava colocá-las na boca e engolir. A dose era de acordo com a idade. Para os mais velhos a era dose maior. Ninguém escapava.

Tomávamos o vermífugo e começava o nosso suplício. Passávamos o dia arrotando aquele gás fedorento que emanava do estômago e subia pela garganta, queimando. E tinha mais. Só estaria liberado para almoçar depois que o remédio fizesse efeito e para apressá-lo, muitas vezes tinha que fazer uma limpeza nos intestinos com óleo de Rícino ou tomar um purgante de caju purgativo. O almoço era uma canja de galinha, sem sal.

Um dia logo após o aviso, planejei fugir. Pelo menos desta vez, eu ficaria livre das malditas pílulas fedorentas. Nem dormi de ansiedade. No fim da madrugada, me levantei, calcei as botinas e sem fazer barulho fui me esconder no mato perto do nosso sitio que ficava a dois quilômetros da nossa casa. Dali só sairia quando passasse a hora de tomar o lombrigueiro. Depois voltaria para casa, vitorioso, e até podia zombar dos meus irmãos. Sem comer, pois não tinha levado nada e já sentindo os efeitos da fome em meu estômago decidi voltar.

Fiquei aproximadamente umas oito horas escondido. Quando já passava do meio dia cheguei a casa. Entrei pelos fundos e não quis responder as perguntas da minha mãe, tampouco os gracejos dos meus irmãos. Humildemente, me preparei para levar uma surra por ter fugido do lombrigueiro. Surpreso a ouvi me mandar almoçar.

Sentei-me à mesa, calado, mas me sentindo vitorioso. Só abria a boca para a comida. Almocei com pressa e voracidade, pois além de faminto, estava fraco e tonto. Enquanto comia, imaginava-me salvo do lombrigueiro e pensava que pelo menos daquela vez havia escapado. O sacrifício fora grande e árduo, mas compensara.

Quando acabei de almoçar, minha mãe se aproximou e encostou-se a mesa. Olhei depressa em sua direção na esperança de ouvir minha dispensa do lombrigueiro. No entanto, toda a minha ilusão terminou quando a ouvi confiante e controlada falar:

- Comeu a vontade está satisfeito. Pois bem, hoje você não janta, amanhã será a sua vez de tomar o lombrigueiro.