Foi outro dia

Aconteceu outro dia... Já era noite e o teatro da cidade de São Paulo estava lotado. A peça era: Os Salteadores da Saxônia. O melhor da gente da cidade estava presente. No camarote de honra estava o Presidente da Província, Cel. Joaquim de Sousa e família. Nas gerais entre outros, estavam vários acadêmicos de Direito, sempre felizes e brincalhões.

A representação já passava do meio quando houve um desagradável incidente. Veja só, que em determinado momento da peça, se apresentou por detrás dos bastidores, uma simulação de tiroteio que fazia parte da peça. Aconteceu que a fumaça da pólvora veio para o lado da platéia. Alguns espectadores sentiram se mal e começaram a tossir. Mas logo quase toda a platéia das gerais estava tossindo. Uns por necessidade... Outros com intenção de fazer graça, e nesse caso os estudantes, de propósito tossiam exageradamente alto.

Ninguém mais prestou atenção no palco. Foi quando o Coronel, não se contendo, se levantou para pedir silencio. Eis que um dos estudantes tossiu bem alto e forte. O Presidente não se conteve...

“Soldados prendam esse patife que esta tossindo”.

O delegado Silva Teles de pronto executou a ordem, agarrou o estudante José Pinto fazendo com que ele parasse de tossir. Porém outros num gesto solidário começaram a protestar... tossindo. Os mais fervorosos eram Martim Francisco e Tristão da Cunha. A confusão fez por terminar o espetáculo, o delegado então agarrou a dupla jocosa e os deteve, e, mesmo com muitos protestos os dois foram levados. É... por incrível que pareça o causador da baderna José Pinto foi liberado.

Rua afora a gritaria era geral, então o delegado determinou com brutalidades que os agitadores partissem dali, daí a baderna generalizou. Ele só viu uma alternativa. Propôs para quem quisesse que viesse junto para a cadeia. E a sugestão foi aceita, todos seguiram cantando para a prisão. Como se tratava de setenta e dois jovens acadêmicos e todos de boas famílias, foram trancados juntos em uma sala do casarão.

No dia seguinte a cidade não tinha outro assunto para comentar. Parentes e amigos dos hilários criminosos tossidores. Pediram... Suplicaram... Mas de nada adiantou. O delegado somente fez foi informar os setenta acompanhantes, que estavam livres para irem embora, e se não fossem também estariam presos. Nem se ligaram, não deram a mínima e lá permaneceram. O jeito era fazer um Habeas Corpus. Porém o Juiz protelou por onze dias até conceder o pedido.

Nesse dias aquela cadeia ouviu os jovens... Cantarem, recitarem, dançarem, pularem, marcharem... Os Biscas pintaram o sete, o guardas já não agüentavam mais. A algazarra somente abrandou quando os rapazes receberam um bilhete assinado pelos presos que estavam encarcerados no andar de baixo, pedindo moderação na alegria e suplicando a colaboração. Porém resolveram se divertir fazendo chacotas com o nome do Presidente da Província, “Ô herói frustrado da guerra de panelas” e apelidaram o delegado de “João Alma de Gato”.

Passados os onze dias, foi feita a soltura. Todos saíram da Cadeia do Largo dos Remédios, atualmente praça João Mendes. Triunfal, desfilaram em baixo de flores, vivas e aplausos. Aquele 26 de julho de 1843 a estudantada movimentou a cidadezinha caipira que foi São Paulo.

No final deste mesmo ano, os estudantes viram o imperdoável Presidente da Província cair do poder... E para comemorar a sua saída, se reuniram e colocaram cruzes pelo caminho que ele faria para fora da cidade, do centro até a saída para Santos. E no inicio desta trilha, um foguetório quebrou o silêncio que São Paulo já teve um dia...

Marcos Pestana
Enviado por Marcos Pestana em 20/09/2012
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