Zé da cartucheira


Na região estava acontecendo alguns crimes que foram atribuídos
ao Zé da cartucheira. Homem perigoso e que afligia principalmente
as pessoas que moravam na zona rural. Todos estavam com muito
medo, o que não era para menos. Os noticiários da televisão e do
rádio não falavam de outra coisa o tempo todo. O Zé da cartucheira
tinha assaltado várias propriedades e, normalmente, não deixava
testemunhas para contar os detalhes. Ele já havia matado várias pessoas

nas fazendas da região e a polícia estava a sua procura. O seu
retrato falado estava estampado em todos os jornais, pois uma de
suas vítimas tinha escapado com vida.
Aproveitando-se da atual situação, o personagem desse “causo”
(Sr. Pimenta) logo matutou o que iria fazer. Ele era encarregado
de algumas pessoas em uma firma, na qual havia vigilância armada
(embora ela nunca tivesse sido acionada).
O Sr. Pimenta tinha os cabelos e a barba muito pretos e
seus dentes brancos realçavam as suas generosas risadas. Muito
brincalhão, gostava de aprontar algumas pegadinhas com seus
colegas de trabalho.
Na firma, onde ele e sua equipe trabalhavam em horário noturno,

havia uma guarita na entrada, na qual ficavam os vigilantes.
Para compor a sua turma, apareceu um novo vigilante, que não
tinha feito o curso que o habilitava a usar arma. Mesmo assim,
ele chegou à firma para trabalhar. O Sr. Pimenta, esperto como
era, logo ficou sabendo que o novato era muito medroso e não
gostava de ficar sozinho (coisa que o novo cargo exigia).
Enquanto isso, o assunto sobre o Zé da cartucheira estava
correndo por toda parte. Todos da firma ficaram sabendo que ele
foi visto na área rural perto da cidade onde trabalhavam. O Sr.
Pimenta conseguiu um retrato falado do tal “Zé da cartucheira”
com uma capa preta, chapéu preto, bigode e uma cartucheira na
mão. Porém o retrato não definia muito bem a face da pessoa.
Assim que começaram a trabalhar, essa foto rodou de mão em
mão enquanto todos falavam que o tal Zé da cartucheira estava na
região, o que, de fato, não deixava de ser verdade. Aproveitando
tal cenário, o Sr. Pimenta providenciou para que o vigilante medroso

ficasse sozinho na guarita. Não foi muito difícil convencê-lo
a ficar sozinho, pois era uma obrigação dele.
Então, o Sr. Pimenta, com a ajuda de um colega, arquitetou
um plano para dar um susto no tal vigilante. Eles se esconderam
esperando-o cochilar, o que aconteceu por volta de duas horas
da madrugada. Tudo estava muito calmo e o “anjo da guarda”
cochilava recostado em uma cadeira.
O Sr. Pimenta havia pedido ao seu colega para trazer uma
cartucheira de casa. Como esse colega tinha bigode, foi ele o escolhido

para se fantasiar de Zé da cartucheira. Vestiu uma capa de
chuva preta (que havia no local de trabalho), colocou um chapéu
preto, pintou um dente de preto (simulando uma falha dentária)
e empunhou a cartucheira. Além de ter ficado muito parecido
com o tal Zé da cartucheira, como estava escuro, não dava para
definir bem quem era. Depois de caracterizado, dirigiu-se para
a guarita onde estava o vigilante nada valente. Bateu com a cartucheira

no vidro acordando o incauto funcionário, o qual ficou
completamente apavorado com o que viu. Por um momento
ficou paralisado de terror, não conseguia nem se mover: O Zé
da cartucheira em pessoa parado em sua frente. Tremendo mais
que uma vara verde e mais pálido do que peido de porco, ele, o
vigilante, abriu a porta que dava para a parte interna do pátio
e caiu na perna, sem olhar para trás. Só parou quando chegou
aonde estavam os outros colegas.
Todos, já sabendo o que o Sr. Pimenta planejara, fizeram de
conta que se assustaram. O vigilante não conseguia nem falar o
que havia ocorrido. Depois de algum tempo, quando conseguiu
explicar, todos riram dele e falaram que ele estava sonhando.
Disseram que ele havia ficado impressionado com os boatos sobre
o Zé da cartucheira.
O Sr. Pimenta, que era seu chefe, disse para ele voltar e ficar
no seu posto, porque ele não podia ficar desprovido de vigilância.
O vigilante só concordou em ir depois que outro vigilante armado
resolveu acompanhá-lo. Seu destemido colega disse que queria
encontrar o Zé da cartucheira para fazer picadinho dele e, com ar
zombeteiro, ficou gritando na guarita para o tal Zé dar as caras. O
novo vigilante pediu para o colega não desejar tal coisa e passou a
noite toda sem fechar os olhos, inconformado com o colega que
não acreditava nele e dormia com uma criança. Foi a noite mais
longa do novato, que até hoje não sabe do conto de vigário em
que caiu. Na noite seguinte, o novato ficaria na sede da empresa,
e acreditou que seria fácil, pois haveria várias pessoas com ele. Mal
sabia ele que Sr. Pimenta já tinha outra pegadinha armada!
No dia seguinte, antes do outro vigilante que ficaria na guarita
ir para o seu posto, o Sr. Pimenta lhe avisou, na frente de todos,
que bem cedo chegaria à empresa um chefão que vinha de Belo
Horizonte. Pediu ao vigilante para ficar bem atento e ligar da
guarita para a sede antes desse chefão entrar. Depois, eles ficaram
conversando um pouco e o Sr. Pimenta aproveitou para fazer a
caveira do tal chefe que ia chegar, dizendo que ele costumava
viajar de madrugada só para pegar os funcionários dormindo.
O novo vigilante ficou preocupado com isso e disse que ficaria
acordado a noite toda. Então a turma toda se espalhou, indo cada
um para o seu canto.
O Sr. Pimenta foi para a sua sala e fechou porta. Ele tinha trazido

de casa uma buzina de carro e uma bateria para poder acioná-la.
Olhando pelo buraco da fechadura, o Sr. Pimenta viu quando o
vigilante novato cochilou e deu aquela buzinada. O vigilante caiu da
cadeira de susto e saiu correndo para a sala do Sr. Pimenta. Quando
abriu a porta o encontrou dormindo na maior tranquilidade. Olhando

ao redor, verificou que nenhum de seus colegas tinha acordado.
Assim, fechou a porta devagarzinho e voltou para a sua cadeira,
pensando que tinha sonhado ou estava ficando doido. Ligou para
o vigilante que estava na guarita, só para confirmar, e perguntou se
tinha chegado algum carro. O vigilante lhe respondeu que não e que
ele podia ficar tranquilo, pois estava bem alerta.
Escutando a conversa dos vigilantes, o Sr. Pimenta quase
não aguentou a vontade de rir, mas se manteve firme para não
atrapalhar os seus planos. O vigilante novato perdeu o sono por
um bom tempo, mas como já havia ficado acordado durante a
noite anterior, o silêncio e a calmaria foram pesando em seus
olhos até que finalmente eles se fecharam.
O Sr. Pimenta aproveitou o novo momento de descuido do
vigilante e buzinou outra vez, mas mais prolongadamente. Mais
uma vez o vigilante novato se assustou e quase caiu da cadeira,
sentindo o coração disparado. Agora tinha certeza de ter ouvido
a buzina, correu e acordou o Sr. Pimenta dizendo:
— Eu escutei um bip-bip, tenho certeza, Sr. Pimenta.
O Sr. Pimenta fingiu estar muito contrariado de ter sido
acordado e lhe disse que ele tinha sonhado, pois todos estavam
dormindo. Os dois saíram juntos e fizeram uma vistoria do lado
de fora e tornaram a ligar para o vigilante da guarita para se certificarem

de que nenhuma buzina havia sido tocada.
Depois disso, o Sr. Pimenta voltou para sua sala. Já eram quase
5 horas da madrugada e o vigilante não conseguiu mais pegar no
sono. Quando amanheceu, todos se reuniram, esperaram que o
vigilante novato fosse embora para poderem rir à vontade. Na
noite seguinte ficaram tirando sarro da cara do vigilante, repetindo:

“eu escutei um bip-bip, eu escutei um bip-bip, Sr. Pimenta,
tenho certeza, tenho certeza, Sr. Pimenta”. Até mesmo o vigilante
novato não aguentou e caiu na risada, afinal, era a única coisa
que ele podia fazer naquele momento.
Acreditem se quiser, mas o Sr. Pimenta não ficou só nessa.
Numa próxima oportunidade lhes conto outras famosas pegadinhas
que ele sempre aprontava.
 

Kennedy Pimenta