A Novena
Esse causo que aconteceu foi tão assustador e verídico, que foi contado aos filhos dos filhos da Campina. Passou-se 90 anos e ainda causa arrepios. Credo!
Aconteceu na semana de finados quando o Padre Dimas começou a novena no dia 25, uma sexta-feira.
Como todo mundo sabe, a novena é dividida em nove dias, e naquele primeiro dia apareceu na igreja uma gente estranha que não era conhecida de ninguém. Ficaram em pé na entrada, vestiam roupas muito simples e tinham as cabeças baixas. Ninguém conseguia ver os rostos. E o Padre Dimas começou a Novena da Misericórdia:
“Hoje, traze-me a humanidade inteira...”
E o povo que estava lá, olhou imediatamente para trás, pois parecia ser que as pessoas estranhas na entrada eram a própria humanidade inteira proferida pelo Padre.
“... especialmente todos os pecadores...”
Olharam para trás de novo.
“...e mergulha-os no oceano da Minha misericórdia. Com isso Me consolarás na amarga tristeza em que Me afunda a perda das almas.”
A Dona Iraci imediatamente ajoelhou-se e começou a rezar seguida das outras mulheres, dos homens e das crianças da Campina. Havia certa comoção, certo alerta durante toda a novena, e o Padre ficou feliz em ver todas as almas tão compenetradas, mesmo aquelas estranhas.
Quando terminou a novena ninguém mais viu aquela gente que estava lá.
Durante todos os dias da novena, apareceram crianças sem pais, velhos, doentes e toda a sorte de pessoas desconhecidas, simples e cabisbaixas. E sempre à porta da entrada.
No quinto dia da novena, no dia 29, o Padre Dimas começou:
“Hoje, traze-Me as almas dos cristãos separadas da unidade da Igreja e mergulha-as no mar da Minha misericórdia.”
Em vez do habitual “Amém”, ouviu-se Dona Diva chorando na primeira cadeira, em frente ao padre. É que ela tinha a certeza absoluta de conhecer uma das gentes que estavam na entrada. “Parecia-lhe alguém, alguém a quem amou”.
Naquele dia muitos choraram a lembrar de seus mortos e o Padre Dimas encerrou a novena, comovido.
E assim sucedeu até o oitavo dia da novena, quando a Dona Irma e o Seu Olice, que chegaram um pouco atrasados, juraram ter visto o jagunço Angelin – já morto – na entrada da igreja com a sua habitual capa preta.
“Hoje, traze-Me as almas que se encontram na prisão do Purgatório e mergulha-as no abismo da Minha misericórdia.”
Como o Seu Olice já tinha comentado com os outros sobre as suas impressões na entrada da igreja, todo mundo tratou de olhar para trás logo que o padre começou a novena, mas o que viram foi um vulto fugido, como o tinha sido Angelin em vida.
Ninguém mais queria ficar na igreja e todos pediram ao Padre Dimas que trocasse de novena, pois que esta estava atraindo almas do outro mundo, ao que o padre respondeu que só tinha conhecimento daquela, mas não teve negociação, todos foram para casa assustados e arrepiados, alguns correndo e esquecendo seus cavalos.
No nono e último dia da novena que seria realizada no Cemitério às oito horas da manhã em honra ao dia de Finados, o padre tinha sérias dúvidas quanto ao aparecimento do povo por lá, mas surpreso, encontrou as beatas encasacadas a acender as velas na Cruz Mestra e uma multidão que vinha aparecendo pela estrada.
O padre, que de cabeça baixa, já a rezar, postou-se em frente a Cruz Mestra e de olhos fechados disse:
“Hoje, traze-Me as almas tíbias e mergulha-as no abismo da Minha misericórdia.”
Findo a novena, o padre abriu os olhos e não viu ninguém.
Nem o povo tão seu conhecido, tampouco as gentes que estavam por lá e aquelas que estavam chegando. Olhou para a Cruz Mestra e não encontrou nenhuma vela acesa e nenhuma das beatas.
Ficou muito assustado, começou a rezar, acender velas e a benzer as tumbas quando viu chegarem pessoas tão suas conhecidas: o povo da Campina!
E o padre não entendeu nada e perguntou por que não tinham aparecido às 8 horas para a Missa e a novena e o povo respondeu como num pacto com o além:
“Mas ainda nem é oito horas seu padre.”