O HOME QUE GOSTAVA DE VIAJAR...

O HOMEM QUE GOSTAVA DE VIAJAR.

O que mais gostava era viajar. Não sabia dizer por que, mas se queria deixar o vivente contente era só convidar para fazer uma viajada.

Este negócio de viajar começou ainda quando era criança. Um dia a sua mãe falou que iria viajar, pois estava com pressentimento que o pai dela tinha morrido. Mas o que era viajar? Arrumou os embornal e preparou uma galinha cozida e depois frita na banha, misturada com farinha de milho. Amarrou dois pães de milho em um pano branco. Catou uns punhado de açúcar preto e encheu um porongo de água.Passou de frente a santa e se benzeu, por dentro da saia duas facas de cortar. Mas ora, se esse tal de viajar é assim, então é bom. Tem galinha com farofa, tem pão de milho e mais um tantão de coisarada. A canoa amarrada num pé de Nhapindá, os remos dentro, assim ficava um bom tempo. Sempre que ia tomar banho de rio, se jogava da canoa. Benção mãe. Deus bençoe. Não deixa teu pai, tomar toda a pinga e nem comer muito ovo. Estraga os figo.Atravessaram o rio de canoa. Ficou mais o pai e a empatada de cuidar para não fazer o que a mãe mandou.

Passa uma lua, passa duas lua, passa três lua e nada da mãe. Será que morreu junto o pai dela? Um dia já tardinha, quando os nhambu começa a cantar, escutou alguém pedindo para atravessar o rio. Saiu correndo. Não era a mãe. Era um homem fortão, com cara de leite azedo. Cadê o teu pai? Perguntou antes de embarcar na canoa. Meu pai tá caçando tateto faz uns dia.Vai atravessar o não? Vou não. Teu pai não tá ai. Só vim dizer que é para vocês irem para a casa do finado pai, da sua finada mãe. Mas que tanto finado? Subiu na mula preta e sumiu. Ficou ali olhando, as água correndo, a canoa dançando na correnteza e ele com este tal de finado avô e finada mãe. Tinha que ser importante. Amanhecia o dia, quando escutou o latido da cachorrada. Era o pai e os cachorros, ou era os cachorros e o pai? Correu pro quintal e lá vinha o pai. No costado das mulas uns quatro tatetos. Agora sim era fartura. Carne de tateto banha de tateto, toicinho de tateto, courinho de tateto no feijão preto, (dava cada peidão que nem os cachorros agüentava de tão fedido). Viu pai? Um homem de cara de leite azedo veio falar pra nós ir para a casa do finado pai, da finada mãe. Morreu? Quem morreu? Os tatetos? Não o pai da sua finada mãe? Mas como finada mãe? Pronto, agora é só nóis dois. Cadê a pinga? Olha que mãe falou. Carnearam os tatetos, cortaram em pedaços, fizeram banha e fritaram toda a carnarada. Nas lata de 20 litros, iam xuxando as carnes fritas e depois quando tava quase cheinha colocava a banha bem quente e fechava com a tampa de lata. Bota uma pedra em cima para não levantar a tampa e não entrar ar. Estraga a fritada. E agora? Como vamos fazer? Deixar a casa sozinha não dava. Tinha as criação para cuidar. As plantas e já era chegado o tempo de colher milho e soltar a porcada na roça, para comer restolho de milho, abóbora e batata doce. Sabe duma coisa? Você vai viajar para a casa do finado pai da sua finada mãe, para ver este negócio de finados. Tem galinha e farofa? Tem açúcar preto? Então nóis vai.

Mal sabia que a sua vida mudaria.

Preparou a merenda, dobrou umas mudas de roupa e atravessaram o rio Monjolo. Andaram mais que 3 horas até chegar na cidade. Que gentarada, quanto casa. Oh! Pai a gente já ver a finada mãe e o finado pai dela. Não respondeu. Direto para o ponto de ônibus. Quando viu aquela coisa, deu vontade ir na cazinha. Tô com dor de barriga. Puro espanto, com uma mistura de medo. Quando chegar no final da linha, o homem que chofera o ônibus, vai te levar na estação de trem e quando chegar lá você pergunta então onde fica a casa do pai da tua mãe. Aquilo era muito grande e esquisito. Uma gailona que andava e tudo mundo sentado. Estrada de terra batida, pó e criança chorando. Comer de que jeito? Estava com fome e sede. Mas como? Dormiu de cansado. Oh! Menino, acorda que já chegamos e eu vou te levar para pegar o trem. Quase que morre de susto. Aquela baita coisa, soltando fumaça e fazendo um barulho que mais parecia bugio grande gritando. Sentou-se e acomodou a bruaca com as roupas e o embornal com as comida.

Começou a gostar da coisa. Novidades, ônibus e agora este tal de trem. Noite afora viajou. Dormia e acordava. Já passava do meio dia, tinha comido toda merenda. Chegaram na cidade. Mais grande ainda que a primeira. Pergunta daqui, pergunta dali, conhece o seu Pontilho? Meu finado avô, pai da minha finada mãe. Falava orgulhoso. Não sabia o que era finado. Mora lá, ta vendo aquela casa grande, com uns pés de palmeira. Tô. É ali. Chegou e bateu palmas. O que você quer? Eu quero falar com a minha finada mãe. Pronto. Apareceu uma senhora de cabelos brancos. Você é o Stanislau? Sou. Entra meu filho, entra. Cadê a minha finada mãe? Morreu. Morreu? Você não sabe o que é finado? Deixa pra lá. Tomou banho, pela primeira vez, em uma baciona de cobre. Vestiu a melhor roupa e foi falar com a senhora, sua avó, Dona Cremância. Olha Stanislau de agora em diante você vai morar aqui. Não tenho mais ninguém da família, só você. Uma confusão do cão. E o pai, a canoa, as carnes de tateto? Mudou tudinho. Na venda, compraram roupa nova. Até uma tal de cueca, coisa esquisita de usar. Sapato, camisa, calça e chinelo. O tempo passou, avó Cremância se deliciava com as história do neto Stanislau. Os anos passaram e já era um moço. Pelas contas, tinha 19 anos. Documentos? Não sei. Compadre dono do cartório providenciou tudo. Atestado de nascimento. Dispensa de ser milico. Falou com o vigário, tinha que ser cristão. Na igreja ficava complicado. Vamos fazer o batismo na casa. Agora sim tinha o sinal do batismo. Bonito nome. Nome de santo. Mas porque começa com "s". Não sei. A finada mãe que falava pra não botar este tal de "e" Descobriram depois. Não enterraram a mãe com a dentadura, a qual tinha dois dentes falhados, na dentadura debaixo. Por isso quando chamava o filho, fazia um assobio assim - ssstanissslauu -. A vida mudara de tal modo, que já sentia até uns calorão, quando via a empregada com a saia levantada, acima dos joelhos. Um dia dona Cremância morreu. Ela beirava os 89 anos e Stanislau já tinha 26. Cuidava da avó com muito carinho e amor. O compadre dono do cartório providenciou tudo, para que Stanislau se tornasse dono das posses. Uma chácara onde criava porco de raça. Era ali que trabalhava. Uma fazendola com umas rezes. Um pinhal que era uma noite, dava uns 300 alqueires. A casa onde morava mais avó Cremância e a empregada. E o dinheiro que o dono do cartório cuidava tudo apontado na caderneta, de capa marron. Você não que ir para Juriononga? Juriononga? Onde fica isto? É a capital. Vamos, pois tenho que tratar de uns assuntos do cartório. Se foram. Os dois? Não três. A filha do cartorário. Polaquinha até que bem tratada. Umas ancas e uns peitão, que dava gosto. Chamava-se Gertrudes, mas pode me chamar de Ge.

Já ganhara gosto pela coisa. Aprendera com a empregada. Quantas noites...?

Em Juriononga, se hospedaram em um hotel. Quartos separados. O pai em um quarto. A filha no quarto do meio e Stanislau no outro quarto, da ponta. Cidade grande, dinheiro também grande. Foram jantar em uma casa que nunca tinha visto. Serviam comida para os outros. Um copo de vinho, mais um outro e o velho cartorário já estava com a língua enrolada. Um carro de aluguel leva o trio para o hotel. Deita o velho como estava de botina e calça. Tiraram o paletó. Tô com medo de dormir sozinha. Não quer ficar no meu quarto até eu dormir? Não tem problema? Porta trancada, luz de lampião grande. Senta aqui. Quanto se deu por achado, estava deitado e então explodiu o vigor dos 26 anos, mas de forma diferente que tinha explodido com a empregada. Uma, duas, três. Quer me matar? Não sou destas que você está pensando. Mas vamos de novo, ela suplicava.

Na manhã o cartorário, bateu na porta. Abre filha. Debaixo da cama com as roupas e as botinas, se escondeu Stanislau. Vamos tomar café? Vou acordar o Stanislau. Não atende. Pergunta para o porteiro. Não vi. Salão cheio e entra Stanislau. Olheiras mil. Bom dia. A onde estava? Fui andar e conhecer a cidade. Chamou o rapaz para junto e cochichou, aproveitou bem à noite? E como. Ficaram por uma semana. E toda a noite o velho cartorário dormia embriagado. E toda a noite Ge e Stanislau se superavam. De volta para a cidade pequena. Não havia maneira de se encontrarem. A empregada já andava cabreira e o velho cartorário, dera de sofrer de insônia. Não sabia fazer nada, não tinha profissão. Herdara uma boa soma. Sentia saudades dos tempos que comia pão com banha e sal. Do pai nunca mais soube. Dizem que foi para as bandas de Urucuim-açu, juntado com uma cabocla de cabelos pretos qual carvão. Um dia cismou em convidar o cartorário, para uma viajada para o norte. O velho topou, mas não posso deixar a minha filha, você sabe né? Moça prendada e sozinha é um perigo. Mas me responda Stanislau. Porque você gosta tanto de viajar e sempre me convida? Ora, ora é por justiça e reconhecimento por tudo que o senhor fez para a minha avó. E o cartorário mais do que de repente. Presta atenção, eu sempre quis casar com a finada Cremância, mas ela só queria romance. Mas então o senhor aceita o convite para viajar? Só se a minha filha for junto. E como viajava este Stanislau...

Romão Miranda Vidal.

ROMÃO MIRANDA VIDAL
Enviado por ROMÃO MIRANDA VIDAL em 19/02/2007
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