ARDóSIA 28 : Amores via net
“Loira, 1m70, 65 kg, olhos castanhos, pele bronzeada”. A descrição não pode ser real, mas Gil é novato na internet e acredita em cada vírgula. Além de simpática, a garota com quem conversa na sala de bate papo parece linda! “Madeleine. Até o nome é encantador!”, Apaixonado... súbito amor! É seu segundo dia arriscando-se pelos tortuosos caminhos dos namoros virtuais. Não deseja nada virtual, diga-se, mas finalmente encontrar a cara-metade, nunca alcançada em Ardósia. Receava tentar a internet porque gosta, como faz questão de ressaltar, “de pegar no recheio da mulher”. Certo, nada sutil, embora muito prático. Nunca foi adepto de “rs rs rs”, “kkkk” ou, muito menos, “agora estou passando a mão em tuas costas”. Com ele é olho no olho, mão naquilo e aquilo na mão. Direto, sem telas de plasma a intermediar.
Outros motivos impediam-no de considerar a internet como alternativa ao encontro amoroso: a dificuldade dos turistas chegarem a Ardósia, e seu temor caipira de conhecer outras cidades, distantes ou próximas. Dois fatores recentes mudaram sua cabeça. Por primeiro, o misterioso fim do encanto que deixava Ardósia inacessível no mundo real. Perdida no mapa, desconhecida dos demais brasileiros. Pois tal enigma, sem qualquer explicação, havia acabado. Mesmo que estejam chegando sem querer, mas enfim... O segundo fator é que, puxa vida, está uma dureza arranjar mulher.
Não foi apenas a vida de Gil que mudou com a “nova Ardósia”. Além do empolgado prefeito (vislumbrando novas indústrias e uma veia turística até então desconhecida) e dos comerciantes (vibrando com a chegada de mais clientes), todos os demais solitários – assim como Gil – ficaram excitados (em todos os sentidos) com a possibilidade de “carne nova no pedaço”. As garotas passaram a sair melhor maquiadas; os rapazes, mais bem arrumados. Todos querem, claro, encontrar o verdadeiro amor na cidade; bem, se não for amor, um caso fugaz e acalorado também servia. Gilvar, nosso herói mulato, não quer mais nada passageiro, interessa-o apenas um romance repleto de paixão, poesia e, ora bolas, tesão. Por isso, neste momento, está tão desanimado no desabafo com Roni:
- Telefone falso, acredita? Liguei e atendeu um cara. Disse que nunca ouviu falar em Madeleine!
- Nossa, como ela pôde fazer isso com você, mermão? Tu não disse que ela tava pagando pau? Que vagaba!
- Pois é... o cara do outro lado da linha ainda disse que Madeleine era nome de puta. Filho da puta é ele!
Nos dias seguintes, Roni ouviu diversas histórias de decepções na internet, uma após outra, com toda paciência. Quando não agüentava mais (“caraca, ele não desiste dessa internet?”), recordava-se que fora Gil quem mais lhe deu apoio no período de cadeia. Então Roni suspirava fundo e dizia: “Puxa, amigo, liga não... Ainda vai aparecer uma mulher que te mereça”.
Além de Madeleine, a do número de telefone errado, houve Christina, uma “fofinha sensual” que, na foto, mostrou pesar mais de 100 quilos; Lina, extrovertida e com um sorriso encantador, mas que escrevia “estrovertida e sorrizo”; Patty, não tão bonita, mas uma flor de simpatia, com quem chegou a conversar três dias seguidos, empolgando-o com um possível romance... até dizer que, para ela, sexo é no chicotinho. Luizette foi impecável, mas morava em Roraima... Daphne (“com PH mesmo, meu querido”) chegou a telefonar e iniciou a conversa delicada e meiga, até Gil comentar que achava a música sertaneja de hoje muito pobre, tanto na letra quanto na melodia. Ouviu desde “Você se acha melhor que os outros, né?” até “Aposto que votou no Maluf”, passando por “Só ouve música de playboy”... Não ouviu o restante porque, quando ela insinuou que Gil enfiasse nãoseioquê nãoseionde, ele desligou. O coitado desistiu de tudo quando conheceu Mirtes, bom papo, simpática, até bem humorada! Ela insistiu em ligar uma tal de “cam” que, para surpresa de Gil, abriu uma imagem em tempo real na tela do micro. Para surpresa ainda maior, revelou, mesmo que timidamente, tratar-se de um homem. “Mas é possível ter muito carinho assim, com respeit...”. Mais uma vez, nosso incansável Gilvar interrompeu a ligação. “Já não basta o que aconteceu no carnaval?”, lamentou irritado.
Todas essas histórias, com exceção da inesperada revelação da última, foram relatadas a Roni, que ouviu também o amigo decretar que não usaria mais “a bosta da internet” para arranjar namorada. Por isso, ele e Téo, sentados no boteco da Eva, estranharam ao ouvi-lo revelar: “Tô apaixonado! Finalmente! A internet é a oitava maravilha do mundo!”. Téo sorri, acompanhando a empolgação do amigo. Roni sabe que, em poucos dias, talvez amanhã, aquilo vira água. Não tem coragem, porém, de estragar sua esperança. “Agora, amigos, é pra valer! O amor tem nome e endereço: Úrsula mora em Jaborandi!”.
- Putz, que nome...
- Cuméquié, rapá?!
- Calma, Gil... Úrsula é bonitinho... Mas Jaborandi?
Naquela noite, depois da novela, encontram-se novamente.
“Q saudade meu querido! Senti falta d tua cia, sempre tao bem humorada”.
“Tb senti, amor! Inda bem q tem net, mas é poco. Queria passear de mãos dadas, tomar sorvete”
“Pensei nisso tb. Por isso tô indo aí”.
“Aqui?? Qdo?”.
“Amanhã”.
“Puxa, mas são quase 300 km!”.
“É só dizer q estrada pego. Como façu pra chegar”.
Silêncio na tela.
“Não quer não vou. Desculpa. Pensei que a vc queria me ver”.
“Ups! Claro que quero! Te mando todo o caminho por e-mail, ok?”.
“Ok. Mal posso esperar! Chego no fim da tarde. Preciso resolver uns problemas durante o dia, mas ñ quero esperar +. Vou amanhã. Se teu pai ñ dexar eu dormir aí, fico num hotel. Ou melhor, ficamos! rs rs rs”.
Despediram-se depois de quase uma hora de conversa. Gil está empolgado. Ao mesmo tempo, temeroso. “Será que vai gostar de mim? Será que vou gostar dela??”. Vira apenas uma foto do rosto de Úrsula, e nem sempre essas imagens correspondem de maneira fiel ao que se encontra pessoalmente. “Nossa, o ator Beltrano parece bem mais alto na tevê!”. De qualquer modo, o encanto da moça, até agora, é real. E Gil não tem como voltar atrás, apesar do frio na barriga. O encontro está marcado. É amanhã.