Capítulo 1
 
Mesmo quando acaba o perfume,
o zeloso frasco ainda guarda
por muito tempo o cheiro
 
 
A viúva arrumou as malas de couro cru, pôs em cada bruaca um pouco de goma, farinha e carne seca.   Vendeu tudo que tinha; porco, galo, pavão, peru e galinhas; cavalos, ovinos e todo o rebanho de gado vacum.  Vendeu também por pouco dinheiro a coleção de livros que Cláudio tinha e a fazenda que cobria grande parte do chão banhado pelos rios Juramento e Saracura, na extensão que vai do baixio de Campo Grande às partes altas das Sete Passagens. Escondeu na matula o dinheiro apurado  e tomou o trem na estação de Montes Claros com destino ao Rio de Janeiro.  Na cidade grande, a viúva nem cogitou Copacabana ou Ipanema. Preferiu sonhar verde e morar na Tijuca, que lhe remonta lembranças  de Campo Grande. Saudosas lembranças também Corina tinha do coco que Zé cantava a Mirabela e de todas as coisas belas de Minas. Minas tem poeta, boa cachaça e artistas famosos nascidos naquele chão. Tem Tião Carreiro, ZÉ Coco do Riachão e muitos outros talentos gerados e crescidos na culinária montanhosa de arroz com pequi e tutu de feijão. Em Minas Gerais tem Carlos Drummond, João Guimarães e o Santos pai da aviação. Tem Três Corações: Presidente Juscelino, Aleijadinho e Chica da Silva. Foi em Minas que Cláudio Manuel conquistou Corina, a glória que a Vitória da Conquista na Bahia, não lhe ofereceu. Ela nunca esqueceu a cena de morte quando Cláudio perdeu a vida e a vaca, numa encenação de campeio, para entregar o animal da aposta. Ninguém acreditou na versão que o baiano morreu no breu da noite, acidentado em um toco. Aquilo foi rixa com confrontantes! Sumia galinha da fazenda e as frutas desapareciam da chácara de Cláudio. Também o leite sumia. A vaca que dormia de úbero cheio,  acordava vazia. 
Faz tanto tempo... A lua ainda era menina. Havia mel na boca da noite, no soalho, no chão, no agasalho. Tudo era suor. Tudo respirava amor como orvalho, doce orvalho derramado no coração. Cláudio Manuel, meio baiano, meio mineiro, não esperava que um galo cantasse e levantasse outro galo o mesmo canto noutro terreiro.
Vaqueiro Zenofre contava à peonada e a filha do vaqueiro assuntava atrás da porta: “Morte besta teve seu “Claude”. Tudo por conta de uma aposta com o primo Joaquim. “Claude” casou Mimosa, a vaca que mais leite dava na fazenda, a troco de um rufião chamado boto-cor-de-rosa que nunca gerou uma cria. Claude dizia que Durão Preto não ganhava. E quando Preto ganhou a eleição, para honrar o nome, quis Claude entregar Mimosa e montou Xerém, burro brabo, amansado sem amansar. Asneira! Dizem que ele caiu e se estrepou num toco. Aquilo foi golpe de peixeira...
Na morte dele Cláudio, muita gente fungava, homem tossia escorrendo água pelos buracos das ventas. Aí, Inhá Corina mandou servir chá-de-jasmim e cravo-de-defunto. Dias depois da morte, surgiu o zunzunzum que Cláudio  era santo, porque gente doente tinha curado resfriado, bronquite e reumatismo, depressão e qualquer mal respiratório depois de tomar o chá-de-defunto servido no velório. Inhá vestiu luto de sete dias e bebeu chá de jasmim para controlar o baticum do coração doído de paixão, pelo finado.