O RABO DE TATU
O RABO DE TATU
Eles eram quatro irmãos homens e apenas uma mulher, filhos de lavradores muito pobres, e que moravam bem no pé da serra, prá lá do fim do mundo, num ranchinho à beira chão. O pai, Galdino, trabalhava como "alugado" para alguns fazendeiros da região, ora carpindo lavoura de café, batendo pasto à foice, ou qualquer outra coisa que houvesse, para ganhar o "de comer" da família. Enquanto isso, a esposa Jerônima cuidava de um pequeno roçado perto de casa, onde plantava banana, mandioca, abóbara, um ou outro pé de laranja, dois de manga comum, além de feijão, arroz e milho. Também criava meia dúzia de porcos, tendo algum sempre na ceva, que era para engordar e lhes fornecer a gordura e a carne, que era cozida e guardada na banha em latas de vinte litros, já que nunca nem tinham ouvido falar em geladeira. Isto permitia que conservassem o alimento durante meses, pois só consumiam carne aos domingos e dias santos, sendo que nos demais dias da semana, a dieta era arroz com feijão, mais qualquer "misturinha". Havia um cavalo já velho e magro, e que o Galdino montava de só vez em quando, quando o trabalho ficava mais distante. No mais, três cabras e um bode, para o leite das crianças, e raramente, ela fazia um queijinho, que era para acompanhar algum doce qualquer. Para completar todos os "haveres", algumas galinhas, que produziam frango e ovos, tudo para o consumo daquela gente. Claro, não podia faltar os cachorros, também, e eles eram tristes e feios, porque comiam apenas as sobras, quando havia.
O filho mais velho, Dico, já tinha dez anos, nunca frequentou uma escola, mesmo porque, não havia nenhuma por perto, mas, ninguém se preocupava com esse tipo de coisas, pois o destino de todos era sempre o mesmo, ou seja, trabalharem na roça. Ele até que era esforçado, ajudava à mãe na "lida", aprendeu a cozinhar ainda pequeno, cuidava dos irmãos menores, para que ela tivesse mais tempo para se dedicar às plantações. Os demais também ajudavam na medida do possível, em comum, todos os moleques nutriam um ciume doentio pela única irmã, a caçulinha da casa. Outra prática costumeira entre todos eram as travessuras que inventavam, como por exemplo, castrar ratos, subir em árvores gigantescas, amarrar tufos de capim que margeavam os trilhos para que as pessoas tropeçassem neles e caissem, e com isso, levavam severas surras dos pais.
Numa ocasião, quando ocorreu o falecimento da avó materna deles, sendo esta a primeira vez em que foram apresentados à "dona morte", todos ficaram muito impressionados com aquilo, principalmente, o fato dela ter sido enterrada no cemitério de um arraial distante umas três "léguas" de onde moravam. Daí que tiveram a "luminosa" idéia de fazerem o mesmo com a irmãzinha. Levaram dias cavando a cova, pois calcularam que a mesma deveria ser bastante profunda, para que nenhum bicho pudesse incomodar à criança. Terminado o serviço, forraram o fundo com capins e folhas de bananeira, depois levaram a garota e a deitaram ali, jogando terra por cima, do mesmo jeitinho que tinham presenciado antes. Inclusive, fizeram um tubo de bambu, que deu um trabalho danado até que conseguissem perfurar todos os nós, colocando-o de um jeito que permitisse que ela respirasse. Missão cumprida, foram embora prá casa, só mais tarde, após umas três horas, quando a mãe retornou do roçado, é que ela deu pela falta da filha. Perguntou aos filhos, ninguém viu nem sabia de nada, tão inocentes, coitados! Todos ficaram de "bico" calado, pois sabiam que a vara de marmelo cantaria no lombo de cada um deles, e era melhor que não corressem, senão, na volta a surra seria ainda maior. De repente, surge ganindo uma cadelinha que sempre acompanhava à menina por todos os lugares que ela fosse. A bichina latia, chorava de fazer dó, puxava a mãe pela barra da saia, até que esta resolveu segui-la, e logo encontrou o local onde haviam enterrado à criança. Tentou retirar a terra com as mãos, depois preferiu buscar uma enxada, e conseguiu salvar a filha, já arroxeadinha e respirando com muita dificuldade. Nesse dia, ela exagerou com a molecada, pois amarrou os quatro numa jaqueira, atrelados e com as mãos para trás, deixando que passassem a noite inteira daquele jeito, sem comida e água, nem agasalho, sendo que era inverno, estava muito frio, além disso, tirou-lhes todas as roupas que vestiam. Na manhã seguinte, foi soltando um de cada vez, debaixo de firmes chicotadas com o rabo de tatu.
Ronaldo José ... 29.08.2012