ARDóSIA 24 : Assassinato em Ardósia

A cabeça lateja. Os olhos, por mais que Roni se esforce, não querem abrir. O corpo inteiro parece moído. Aos poucos, as pálpebras se desprendem. O teto, que estranho, está mais limpo. “Quando foi que tiraram as manchas de umidade?”. Com esforço, virou o rosto – até o pescoço doía – e não reconheceu a mobília. Das duas, uma: alguém reformou toda sua sala, e para melhor, ou aquele não era seu cafofo. Roni não conhece nenhum bom samaritano.

O estranhamento continua. Por que está naquela posição? Ué, ficar deitado no chão talvez explique o corpo em estado deplorável, mas não esclarece nada em sua cabeça. Onde está? Qual o motivo de acordar deitado numa sala desconhecida? Por que cargas d’água sente os músculos deteriorados? Um tanto de esforço a mais e consegue levantar o tronco, apoiando os braços atrás do tronco. A casa não lhe é estranha. Coça a cabeça e toma um susto. Sangue. Possui um corte no couro cabeludo, e não é pequeno. “Agora merdeou de vez!”. Será? Confusão acumulada com preocupação. De repente, o latejar do cérebro aumenta em progressão geométrica; tenta olhar ao redor, mas a posição não ajuda. Apoiado em uma estante à sua frente, coloca-se de pé; ao virar-se, depara com dois corpos ensanguentados no chão. Um casal. Está morto. Agora sim, Roni, merdeou de vez!!

O rapaz solta um grito e desesperadamente tenta lembrar o que aconteceu. Reconhece os dois: é Tânia e seu marido, o corno do Naldo. O cara tem o peito esburacado, enquanto a ferida da moça é na cabeça. Em comum, muito – mas muito – sangue. “Mas como? Quem fez essa porra? Quié que eu tô fazendo aqui?”. Repara nas próprias mãos, também com sangue. Seria de sua cabeça ou do casal? Pânico.

Naldo está caído de barriga pra cima, braços e pernas estendidos, um pouco atrás de onde Roni acordara. O corpo de Tânia está um pouco além, quase saindo para a cozinha, caído de lado.

“Eu matei? Eles queriam me matar? Caraca, esta é a casa deles!”, recorda-se Roni de quando foi até ali convencer Tânia a ajudar na reconciliação de Téo com Laura. Faz algum tempo isso. Depois... depois... teve que voltar ali... ou não? Algum serviço... Seria esse o serviço?? Não, não era um assassino. Só precisa de um pouco de calma para clarear a memória. Tudo bem, até achava Tânia gostosinha, mas jamais mataria o marido por ela. Muito menos ela própria!

Deu-se conta, então; Tânia veste uma camisola cor-de-rosa transparente, com detalhes em renda. É sexy. Ou seria, não fosse todo aquele vermelho-sangue. Por baixo, branca lingerie delicada. Mas o pior é Naldo, o marido. Está apenas de cueca... cueca de couro! Numa situação normal, Roni estaria caindo em gargalhada. No momento, sem controlar a tremedeira das pernas, cai agachado, joelhos dobrados.

Observa o casal. “Peraí... peraí... tô entendendo. Era uma suruba! O cara não quis dividir a mulher comigo e me matou!”. Opa, o morto é ele, não você, Roni! “Putz, é mesmo... Bem, ele tentou me matar, mas consegui me salvar e matei o corno! Droga, mas por que eu fui matar a mulher também? Ah! É isso! Apesar de desejar desesperadamente ser possuída por mim, ela ficou com ciúmes do marido e veio pra cima e eu, sem alternativa, mandei ela também pro buraco!”. Ardosiense é mesmo um problema... Mesmo metido até o pescoço em encrenca, ainda se acha um garanhão!

Por mais que Roni tenha imaginado aquele enredo do crioulo-doido, não passa de suposição. Recordação, lembrança, não tinha nenhuma. Senta-se no sofá. O desespero começa a bater-lhe à porta e as lágrimas pedem espaço. Ele segura. Apóia os cotovelos nos joelhos, e o rosto nas mãos, fechadas uma na outra. Nunca se sentiu tão desamparado e impotente. “Que foi que eu fiz? Se não fui eu, que é que tô fazendo aqui? E o sangue de minha cabeça?”. Roni levanta, olha para um lado, depois para o outro. Pula os corpos e vai verificar o que há na casa. Alguma pista, qualquer coisa que lhe refresque a memória. A cozinha está limpa e arrumada, nada que ajude (só um “teco” de inveja). Na lavanderia, alguma bagunça, mas também irrelevante. No dormitório, roupas espalhadas sobre a cama. Calças, blusas e até uma cinta-liga. Ah, em circunstâncias normais...

Um estrondo vindo da sala faz com que Roni retorne correndo. Dá de cara com os policiais que estouraram a porta de entrada. Também eles estão perplexos. Assassinato em Ardósia? Não há registros. Um dos guardas aponta para o revólver, calibre 38, caído no chão. Roni, parado entre os corpos, nem havia reparado na arma. “Por que é que eu não fugi?”, pensa o pobre rapaz enquanto é algemado.

Nichollas AIberto
Enviado por Nichollas AIberto em 23/08/2012
Código do texto: T3846076
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