A COBROSA

Pereira Augusto, um caipira com nome de ator de novela das oito, estava sentado longe dos outros, resmungou, resmungou! Mas não adiantou de nada. Tinha que acompanhar a turma. Que iriam para Brejo do Ribeirão do Sapo Seco, para pegar a sucuri, que vinha assombrando quem por lá passava. Alguns diziam que a bicha media para mais de seis metros. Outros que juravam tê-lo vista, batia o pé. – Ela tem mais de nove metros! Chegou-se até cogitar que a danada passava dos quinze metros de cumprimento e tinha a circunferência de uma melancia gigante.

Pereira Augusto tinha medo até de minhoca, arrepiava só de ouvir isso! Como pode ele agora querer ir buscar, caçar e matar uma sucuri com essa envergadura? De mais de vinte e cinco metros! A unha.

“– Não, isso não é pra mim não!” – resmungou ele outra vez. No entanto havia Betina, à filha do Coronel Poligário. Linda! Feito flor de maracujá. Pele lisinha, queimada pelo sol do campo. Seu cabelo esparramava quando o vento sopra. E seu perfume de rosa nova, invade toda mata. Fazendo o coração de Pereira Augusto destrambelhar!

Contudo, quando ele se lembrava do tamanho da maldita muçurana, que ele teria que enfrentar. Ele tremia feito a uma vara verde, ele suava igualzinho a um tirador de espirito e a covardia que corria por suas veias, o fazia recuar, recuar!

No entanto, seu pensamento lhe traia e o desejo passava uma rasteira, a lembrança daquele rosto acompanhado pelos meigos e singelos olhos de Betina. ” –– Ô Moça zoiuda! – Mas, se eu não for buscar essa bendita cobra, eu não vou chamar a atenção de ninguém! – É, mas se todos estiverem enganados e ela for só um filhotinho de cobra?”

“–– É bem que ela poderia ser um filhote. Ah! Mas se ela já consumiu com três bezerros, e agora com a zangada. A vaca da sogra do Coronel, dizem que não sobrou nem o chifre da zangada, e olha que a vaca da sogra do Coronel Poligário tinha um chifrão!”

Quem já viu pode dizer. Primeiro a sucuri enrola o rabo num pedaço de pau que se tem no fundo do brejo. Em seguida da um bote certeiro, para não perder a presa. E vai enrolando, enrolando toda a vítima com o seu corpo cheio de escamas roliço e forte. Até matar o pobre que tá naquele abraço gelado e mortal.

“–– Cruz, credo, ave Maria três vezes de baixo da ponte depois da chuva”! E vai torcendo, vai torcendo e quebrando os ossos do infeliz, imagino que deve ser igual a uma cana na moenda do engenho, espremida.

–– Nossa! Os olhos vão se estatelando para fora das órbitas. Meu Jesus Cristo! Que cena doída de se ver! Só de imaginar to suando que nem tampa de chaleira. E por falar em chaleira tô precisando de um chá. imagina se a maldita fez isso com a vaca da sogra do Coronel que pesa muito mais do que eu, pensa se essa bicha me pega? Vou não! Caio nessa roubada não!”

Quando o medo já dominava por completo Pereira Augusto, de novo ele lembrou que era caipira, mas era caipira, caipira não, caipira é macho! É nome muito chique! E peão, também não podia qualificá-lo por que peão é cabra valente! Ele é medroso que dói! Porém as lembranças de Betina vieram novamente à tona.

“–– E se ela gostar de homem valente matador de sucuri? Que ela goste pra lá! Pois eu não sou valentão! Espera lá valente eu sou, só não sou caçador de sucuri! hei tá, mais tinha que ser cobra? Não podia ser outro bico não? Logo cobra e ainda por cima uma sucuri de mais de trinta metros! Podia ser um tatu, um tiú, até mesmo uma onça! Opa! Onça também não, porque dizem que a patada dela é atômica, então - se se danou.”

Enquanto Pereira Augusto se contorcia em pensamentos, a trupe dos caçadores que iriam se aventurar pelas lamas do brejo do ribeirão do Sapo Seco. Já davam o brado de saída. Era um total de cinco homens feito contando com Pereira Augusto e o rapazola neto do coronel. Pereira augusto olhou o moleque e se sentiu envergonhado em ver que o guri tinha mais coragem do que ele.

“–– Melhor ser um covarde vivo do que um valentão moído por uma sucuri.”

Os cachorros foram selecionados: Pagode, Paquera e o Farejador. Que não perdia um rasto de qual fosse o bicho. Enquanto eles arrumavam para a saída, coronel Poligário destinava o cão Farejador para Pereira Augusto. Que no seu canto quase caiu de costa.

“–– E essa agora? Esse bicho é bem capaz de pegar essa maldita no dente.”

Coronel Poligário, já conhecia a fama dos outros peões, mas estava de butuca acesa para Pereira Augusto, por saber dos interesses dele para com sua filha. Então lá se foi ele falar com o homem.

–– Algum problema homem em pegar o Farejador pra te acompanhar?

––Nã, nã, não senhor Coronel. – Pereira Augusto gaguejou feito motor de trator estrambelhado. Rateou três vezes antes de sua voz sair, com um fiasco de firmeza.

–– Então - se vamos, pois já tá na hora da merenda da cobrosa, e bezerro meu aquela maldita num vê mais não.

Pereira Augusto engoliu seco, tremeu mais um pouco dentro da roupa. Se tivesse o almoço já processado ele teria borrado as calças. Deu uma conferida nos apetrechos de caçador de sucuri, uma bota cano alto, uma corda empoeirada, uma carabina enferrujada, herdade pelo pai, que já nem ela própria lembrava quando foi o último tiro que deu. Olhou para o cão, que abria a boca, como se tivesse com sono. Viu os outros companheiros montando nos cavalos. E meio sem coragem ou com medo e meio chamou o cão Farejador. Montou no cavalo. E seguiu os outros que contavam vantagem. Meio que de soslaio esbarrou seus olhos no olhar de Betina. Parecidos com duas luas cheias no céu ofuscando os brilhos das estrelas.

“–– E seu eu trombar com essa peçonha?” “- Ah! Eu jogo o Farejador em cima dela.” “Oh cão maldito!” “- Ele tinha que me acompanhar?”.

Pereira Augusto, envolvido com seus pensamentos, covardes, nem se atentou que já entravam na mata. E que em poucos quilômetros teriam que apearem de seus cavalos. Para chegarem ao brejo. Apearam, amarraram os cavalos e ele ouviu de uma dupla de aventureiros.

–– Mas uma coisa eu concordo: que o perigo maior é quando ela fica nas taboas, onde tem galhos retorcidos.

–– Isso eu também já ouvi. Então dizem que tem que ser certeiro o pipoco, num pode errar o tiro nem que a vaca tussa.

–– Atenção homens! – era a voz do Coronel, já olhando para Pereira Augusto. – Damião e João Catinga vão com o Pagode brejo acima. Tapera e Cravinho vai com o Paquera brejo abaixo. Pereira Augusto e farejador vai para a Taboão.

“–– Arre, vixe!” “- Mais essa agora?” – Pronto o processo já estava pronto ele quase borrou, apertou tanto o fiofó, que ficou de cara vermelha.

–– Eu e Netinho ficaremos aqui esperando o resultado. E quem achar a bicha grita os companheiros.

Pereira augusto, foi seguindo farejador. O cão danado sô, parecia já ter o faro do cobrão no focinho. E Pereira Augusto com o faro do medo nas ventas. O cachorro foi engrenhando, no meio do brejo, sumindo por entre as taboas. E o Medroso do Pereira Augusto atrás, mais que querendo recuar do que adiantar.

Passado alguns minutos de tocaia, o medroso ouviu um disparo. E logo pensou.

“–– Pronto, pegaram a maldita!” soltando seus apetrechos no chão, ele folgou, e um sorriso estampou-se no seu rosto que já nem suava mais. E quando saia do Taboão, Pereira Augusto, tropeçou, e caiu dentro das taboas, e para seu desespero, seus olhos esbarraram numa coisa peçonhenta. Ele congelou de medo, Farejador, deu alerta, latia feito um condenado, e Pereira Augusto, pobre coitado, não conseguiu trava o fiofó, e se borrou nas calças. E nessa briga com o desconhecido, ele não suportou a pressão e desmaiou.

Já era noite alta, quando ele voltou a si. Um amontoado de gente estava a sua volta. Até mesmo Betina, a razão dos seus sonhos. Ele enrolado no coro na gigantesca cobrosa, Farejador lambendo sua face, em sinal de respeito.

–– Homem, eu já vi cabra valente, mais que nem a você é a primeira vez. – Era a voz do Coronel. – Mas me conta como fez pra matar a unha esse cobrão?

Sentindo-se engrandecido, olhou para Betina, e para os outros que estava lhe rodeando. Ele disse.

“–– Bão, primeiro a deixei enrolar em mim, depois fui me contorcendo, contorcendo ate esmagar a cabeça dela”.

–– Êita, sujeito parrudo! Então diz ai, por que você borrou as calças homem? – Eram outros companheiros querendo tirar a fama de Pereira Augusto. Que deu uma olhada e apenas respondeu altivo:

“–– Hora vixe, queria ver você, se com a força que eu fiz pra matar essa maldita, se num punha o almoço, a merenda, a janta de ontem e tudo que comeu pra fora.”

Farejador, deu uma abanada no rabo e saiu, talvez se ele falace revelaria a todos, que foi um puro lance de sorte de Pereira Augusto. Ao tropeçar e cair no ninho da sucuri gigante ele rolou abraçado com ela até ela bater a cabeça numa ponta de pedra, o que poderia muito bem ter sido a cabeça de Pereira Augusto e que por sorte não foi.

E a cobra que não era nem tão grande assim teve tempo apenas de enrolar no nosso herói. Que foi se limpar para ter a gloria, os abraços e beijos de Betina.

valdison compositor
Enviado por valdison compositor em 20/08/2012
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