A PRIMEIRA AULA DE MÚSICA
Tudo estava pronto para o primeiro dia de aula de música de minha turma. Era festa, muita festa. Iríamos festejar e aprender as primeiras notas: dó, ré, mi...
O Sr. Benedito, mais conhecido por Sr. Benê, seria o nosso professor. Era ele muito calmo, um pouco sério e com um profundo conhecimento didático do assunto. Éramos eu, o Lélis, o Wellington, o Lúis Carlos e o Pedro, este, coitado...
Ficamos ansiosos para a primeira aula e mal começava o dia, já contávamos para chegar às dezenove horas, o horário previsto.
Ai chegaram as horas e juntos fomos para o prédio da Prefeitura.
O prédio da prefeitura era uma construção bem antiga. Conta-se que fora construído por volta do ano de um mil e oitocentos e qualquer coisa, algo assim. Sua arquitetura era de estilo barroco, mais ou menos, com janelas muito grandes e altas, portas de mais ou menos três metros de altura e paredes de até um metro e meio de espessuras, com péssima iluminação, forros soltando carunchos e pisos feito de assoalhos, com as pisadas das pessoas, saiam barulhos estranhos, quase rastejantes.
Chegamos. Fomos adentrando pelo prédio, muito escuro, com uma escada velha, cheia de voltas e alguns dos degraus quebrados, que sufoco.
Eu sempre era um pouco medroso. Tinha medo de tudo, até mesmo de minha própria sombra. Jamais andava sozinho na noite com medo de fantasmas. Ouvia muitas estórias, principalmente de assombrações e mula sem cabeça, tinha muito medo.
Quando começamos a subir, o eco de nossos passos, na escada quebrada, eram ouvidos e repetidos várias vezes sob o efeito do eco. Dois passos prevaleciam quatro. O medo foi aproximando de nós.
Lélis, que barulho é esse... Oh, já ouvi comentários que o antigo prefeito, o Sr.... morreu dentro do gabinete e não gosta de ninguém aqui após as oito horas...
Assim, estremecíamos de tanto medo. Ouvíamos os vôos dos morcegos no teto, das corujas no telhado e dos pombos nos ninhos. Era amargura total. Não tínhamos coragem. Ficamos no meio da escada, com nossas pernas trêmulas e medo tomava-nos e o pavor era tão grande que no grito da garganta era nossa arma.
O Pedro, muito gordinho na época, custava para subir as escadas e dizia que bruxas, fantasmas e vampiros saiam de suas tocas e viriam ao nosso encontro. Era a recepção para nossa aula. O Luiz Carlos começava a chorar e pedia pelo auxilio de sua mãe. Todos com medo. Até uma mosca que voava já representava o mais temido dos fantasmas, que sufoco.
Vamos, dizia Wellington, vamos para a aula ou vamos embora. Se vocês não forem, eu mesmo subo e não darei confiança para vocês.
Eu disse que era para esperarmos o Sr. Benê lá embaixo, mas o Lélis disse que ele ainda não tinha chegado e nós estávamos parados ali, sem destino e subir, de gritar, de chorar ou de ir embora. Não sabíamos de nada.
De repente, ouvimos alguma coisa que caia sobre o assoalho. Era um barulho muito forte. Seguido de uma voz rouca e um arrasto de pés e dizia “ agora eu pego vocês, vou prender todos vocês nesta sala e deixar até na segunda-feira, não precisa fazer nenhum rancor, desta vez vocês não me escapam.
Foi a gota d’água que faltava. Não tivemos outra escolha a não ser gritar, chorar, correr, cair e sumir prédio afora e nunca mais voltarmos. Quando corríamos, escutamos a mesma voz que dizia “ não correm, eu vou buscar vocês, por favor, não vão embora, eu estou aqui por conta de vocês”
Na segunda-feira o Sr. Benê foi às nossas casas para explicar que não tinha nenhum fantasma, que o barulho foi o arquivo das pautas musicais que caíram e ele teve que prendê-las com cordas e os passos eram dele para poder juntar as partituras.
Pensando bem, eu e o Lélis não retornamos para as aulas. Fomos aprender música dez anos após este acontecimento em outra sede da banda de música.