O bar, Genésio e o camarão.

O dia não era dos melhores. Um sol que teimava em não querer sair, tímido como um guri que se vê, pela primeira vez, na obrigação de fazer algo mais concreto do que simplesmente flertar o objeto de sua fértil imaginação. Minha vontade, muito mais forte do que a manifestada pelo astro rei, era de por as fuças na rua, desejo este já acalentado desde o acordar, muito embora as obrigações de marido tivessem imposto uma necessária dissimulação, nada que causasse algum remorso posterior.

Pois bem, coloquei o esqueleto para mexer e ele quase que espontaneamente adivinhou o rumo, o destino. Fomos, eu e o esqueleto, num frenesi indisfarçável, para o bar, próximo de casa, onde os seres humanos do sexo masculino e outros que não necessitam desta delimitação se encontram e, em algumas ocasiões, se perdem, não raras vezes.

Ao adentrar no recinto senti que o dia prometia, mas não para mim. O bom do bar, caro leitor, é que todas as figuras representativas da sociedade ali se encontram e interagem num ritual regado a muita bebida e conversa, não obrigatoriamente nesta ordem. Em suma, todos os personagens se fazem presentes e, dentre estes, está o seu Genésio, muito chegado a tudo que envolve esta digníssima forma de estabelecimento comercial, quase uma instituição social, diria ele para quem perguntasse.

A conversa corria solta, a mentira também, e o entorpecer das bebidas revelava a personalidade escondida de cada qual, num levantar de véus digno de um harém acossado por um vendaval fulminante. Genésio estava na posição que lhe cabia, praticamente segurando o balcão (seria para evitar ser levado pelo vendaval?), saindo algumas vezes para observar o vai e vem do pessoal e, em algumas oportunidades, ajudando-os a manter o equilíbrio perdido quando não era o próprio Genésio quem suplicava os bons préstimos de alguém.

Pois bem, esta figura, cuja disposição espiritual permitia acompanhar, ao vivo, todo o horário de atendimento do solicitado comércio, possuía um hábito interessante: ela adorava levar para o bar alguns frutos do mar, os quais eram muito bem recebidos pelos amigos e amigas de recreação e faziam a moral de nosso personagem se elevar em progressão geométrica, até o espaço sideral.

No entanto, Genésio não é Jesus e, gole vai, gole vem, chegou uma hora em que os pensamentos se engalfinharam de tal forma que o nosso amigo sequer lembrava dos seus frutos do mar, daqueles que levou para agrado e dos outros, que deveria levar para a sua residência. Ou seja, o vendaval antes relatado levou o véu da sua personalidade para outro bairro, outra cidade, ali restando somente o rascunho, feito à carvão.

Pois bem meus amigos, para felicidade do esperto dono do bar, que merecerá ainda uma análise em particular, o esquecimento de Genésio virou um belo jantar com sua esposa, regado a vinho fino e juras de amor, o que repôs um pouco da moral perdida ao longo da semana. Coisas de casal.

O rascunho, ao seu turno, chegou em casa aos tropeços e encontrou alguém disposto a meter-lhe uns tapas. Foi um show impressionante: Genésio chamando Jesus, que não intervinha, e sua querida e irada esposa chamando Genésio, de camarão, como aquele que foi regado à vinho fino, sem juras de amor, é claro.