O Juiz e o Diabo
“...sempre é bom acender duas velas para Deus e uma para o Diabo..
O Diabo é um personagem que hoje anda procurando administrar, com grande dificuldade, problemas que têm provocado vertiginosas baixas nas ações do Inferno. Parece, que como alertam todas as religiões, as pessoas já não temem mais habitar, por toda a Eternidade, as Profundezas. A falta de temor, aliada à descrença, provoca, como sempre, descrédito e como consequência, as ações diretas ao portador despencam, embora alguns políticos, por questões de segurança, reservem pra si alguns lotes.
O presente "relato", ouvi muitas vezes do meu Pai (Chico Português), que ouvira de meu Avô (João Português), nos princípios do século passado. Contava ele que o Diabo saíra em campanha pra ver se melhorava sua imagem. Certa feita, Zé Procópio, morador nos ermos do sertão, depois de muito trabalho com sua família, juntou um bom dinheiro e saiu em lombo de mula, à procura de um lote de vacas criadeiras pra aumentar de vez seu rebanho. Depois de várias léguas caminhadas, já passando de sol a pino, o estômago começando a lhe pregar nas costas, avistou à beira da estrada uma vendinha, coisa muito comum nos caminhos dos sertões. Parou pra matar a fome. Pediu um virado de farinha de milho com 3 ovos. Comeu, ficou satisfeito e perguntou ao vendeiro quanto devia. Este pegou um papel de embrulho, meio sujo com gordura de mortadela, e com o lápis começou a fazer contas: 3 ovos, se colocados a chocar daria duas frangas e um galo, que depois de começarem a produzir daria, cada uma, mais sete ou oito cabeças que continuando a criar dariam, tanto mais tanto e com tanto somaria tanto. Resultado. O preço do repasto consumiria todo o dinheiro que levava pra compra das vacas e ainda faltava um pouco. Desolado sentou-se na soleira da porta do boteco com os cotovelos apoiados nos joelhos e o queixo apoiado nas mãos, prostrado na maior tristeza.
Nisto surge na curva dum capoeirão, um cavaleiro de porte fidalgo, bem vestido, montando um luzidio cavalão preto, da raça Manga Larga. (Pra quem ainda não desconfiou, tratava-se do Diabo em campanha de melhoria de sua imagem ). Vendo aquela figura de desânimo, foi logo perguntando qual a razão de tal estado de espírito. Depois de colocado a par do ocorrido, observou: "Vamu lá que vou te ajudá acertá essa conta". Perguntou então pro vendeiro qual era o caso. O vendeiro, repetiu toda sua peripécia de matemática progressiva. Diante do exposto, o cavaleiro disse em alto e bom som: "Essa conta nóis num paga. Pode mandá pra Justiça, sou adevogado e lá a gente acerta". E sem maiores delongas assim foi feito.
No dia do julgamento da questão, todos a postos, menos o advogado do Zé Procópio. Depois de longa espera, o que não é comum por parte dos Meritíssimos, o juiz observou: "Que diabo de advogado o Sr. arranjou"? "Pronto!!! Pronto!!!" Entrou o ilustre personagem arrastando as esporas no assoalho. "Me discurpe o atraso, é que eu tava cozinhando fava pros meus impregado prantá". O Sr. deve estar brincando fora de hora disse o Juiz. Onde se viu dizer que favas cozidas nascem??? "Ora Meritíssimo!!! Em terra onde ovo frito dá pinto que recria e produz riqueza, tudo é possive."
Com base na lógica e na manutenção da coerência judiciária, Zé Procópio foi condenado a pagar apenas o que foi consumido: 3 ovos, 5 colheres de farinha de milho e duas xícaras de café. O que fazendo as devidas correções e trocando na moeda de hoje: 9 Reais e setenta e cinco centavos. (Oldack/ 09/08/010).