SINHÁ DÚCA

Foi batizada Maria do Carmo. Mal cresceu um pouquinho

virou Du Carmo. Moça se fez, casou-se e por fim ficou as -

sim: Sinhá Dúca. Nem mesmo ela dava conta de como seu nome

encolheu desse jeito, mas encolheu!

Pode-se dizer que Sinhazinha Dúca era a figura mais

conhecida e requisitada naquelas paragens. Pois era reza-

deira, curandeira e parteira, de mão cheia;" no resultado e

no funcionamento", como se dizia!

Não havia pé de mato que não tivesse lá sua valia na

mão de Sinhá Dúca, nem simpatia que ela desconhecesse, afo-

ra o mundão de gente que veio ao mundo através de suas mão-

zinhas:

- Sinhá, meu menino tá com tosse esticada.......

- É garrafada na goela dele, três vezes por dia!

- Sinhá, tou com uma dor...aqui oh na pá do lombo..

- Hum...espinhela caída! Tenho aqui uma benzedura que

é tiro e queda!

- Sinhá, Sinhazinha...essa menina anda com nó nas

tripas, enjoada, calada pelo canto. O que faço....

- Me faça uns cueiros e uns sapatinhos de lã que ela

tá é prenha toda vida! Daqui à sete meses eu vorto!

E assim era a vida de Sinhá Dúca, atendendo um aqui,

dando um ajutório prá outro acolá...no que se precisasse.

Mas danado de empombado, empombado mesmo, era ver Si-

nhá Dúca no ofício de enfrentar alma penada ou outra visa -

gem de outro mundo! Ah isso que era:

- Sinhá, o falecido Tião deu de dar aparecência toda

noite na casa da viúva Cotinha! É de se escutar o pigarrear

dele por toda a casa Sinhá! A viúva Cotinha não dorme faz

um tempão........

- Se avexe não!! Mais logo vou lá trocar um dedo de

prosa com essa assombraçãozinha disgramenta!

E ia! No caminho arrebanhava duas ou três carolas -

prá modo engrossar sustância na reza do terço. As carolas a

acompanhavam, com a urina na ponta da bica é bem verdade,

mas acompanhavam. Ai delas senão!

- Comadre Cotinha mais que molestamento é esse, por

quê não me avisou mais antes...mulher de Deus?

E começava o terço, que era rezado o dobro de vezes

tantas vezes a assombração desse as caras. Acabada a

ladainha Sinhá Dúca levantava-se, apertava o terço contra o peito, pedia licença aos presentes e chamava o finado nas conversas:

- Ora..ora Seu Tião, que patuscada! Quer dizer que

nem depois de morto vosmecê deixa a comadre em paz? Nem

chorado, enterrado, com missa bem rezada...vosmecê tomou

tenência não? É! Já não bastou quando vossa pessoinha era

vivente e só andava enfurnado nas rodinhas de canhaça....

atrás dos rabos-de-saia por aí! Ah meu Jesus, quanto des -

gosto esse seu vosso proceder deu a comadre! Agora quer fi-

car nesse desapreço com a pobre? Vai ficar não...mas não

fica é mesmo! Olha que lhe jogo uma mandinga de apronto e

Seu Rabudo em pessoa vem dar rumo a sua alminha heim! De

quebra ainda ajeito casório prá comadre! Que homi vivo é que não falta nesse mundo! Veja lá Seu Tião..veja lá!

Era batata, a alma penada nunca mais dava presença,

não se sabe pelo mêdo da espinafração da Sinhá ou de tomar

um belo enfeite de cabeça, depois de morto. Mas presença

não dava mais não. Pois o finado era morto , mas não era

besta!

E assim, no alto de seus setenta e poucos anos, Sinhá

Dúca era a própria imagem da sagacidade. Dizem que até lo -

bisomem ela andou chamando na chincha. Eu por mim não duvi-

do muito, já que essa Sinhá era mesmo, com toda a fama e

escama "du cacete", como se dizia naquelas paragens!

Barcel Ferreira..

BARCEL
Enviado por BARCEL em 15/02/2007
Reeditado em 16/02/2007
Código do texto: T382624