O banco da praça
Eu estava sentando em um banco de praça. Não recordo qual praça era. Muito menos a cidade. Se alguém perguntar quando, não saberei dizer também. Mas era um banco de praça, em um bom lugar, daqueles preparados para tudo, estação de trem, rodoviária, só não havia aeroporto, mas aí, era querer demais, era bom, bom para despacho de muitas coisas, mas não tinha aeroporto, que isso fique claro.
Como dizia, estava sentado em um banco de praça e junto a mim estava uma criança. Seu nome lembrança. Alguns chamam de sonho. Não importa o nome que você dê. O que importa é que sentando nesse banco de praça, lugar bom para despachar tudo, você tem direito a uma companhia, à qual eu dei o nome de lembrança.
Banco de praça é bucólico, para não dizer nostálgico. Mesmo para quem nunca teve a oportunidade de sentar em um, terá a sensação de que se sentar ali, vai ter aquele filme passando diante dos seus olhos. Tudo bem, um pouco embaçado. Não, não é 3D, é lágrima mesmo. Mas é porque banco de praça nos remete a lembranças. Para mim são boas. Mas não significa que trarão sorrisos. As pessoas vão passando e você ali sorrindo com suas boas lembranças. Besteira. Boas lembranças trazem lagrimas também.
Bom, sentado então, nesse banco de praça, onde o lugar era bom para despachar as coisas, estava sem sentimentos de culpa, coisa rara. Nossa, temos culpa até de não termos culpa de alguma coisa. Não tente entender, mas a vida é apenas um dia, e esse dia passa, então, a vida se resume em um banco de praça, ao lado da lembrança ao som do burburinho (gosto dessa palavra) das pessoas que ainda não sentaram num banco de praça e ficaram ali patéticas lembrando suas vidas emocionantes.
Um banco de praça é dividido em duas partes. Uma inteira e outra dividida. Uma se vê e outra não. O tempo do que se vê e do que se sabe, o resto, dividido é a distancia da diferença que nos faz estar assim, eu sal, você doce. Ou se preferir, eu doce, você sal. Ou mesmo, eu Tarzan, você Jane. Não, não há isso no banco de praça.
Enquanto estamos ali, conversando com nosso amiguinho chamado lembrança escutamos os toques do sino da igreja. Única? Depende. Nesse banco pode ser que seja. Mas o padre nos avisa, como na Idade Média, os atributos de cada um. Mas nem ele mesmo sabe disso. Então, fique tranquilo, não se levante do nosso banco de praça. Viu como sou espaçoso. Já estou chamando o banco da praça de sua cidade de nosso. Mas se não há apenas um, então, socializemos, vamos dividi-los, hoje não corremos o risco de sermos presos e torturados.
Enquanto a lembrança conversa comigo e eu finjo que ouço, como fazemos cotidianamente, vou contando as badaladas do sino da igreja. Se disser que já estamos no meio da noite, por exemplo, duas horas da manhã, alguém diz “nossa”, imagina cinco badaladas. Nossa, nossa, nossa, nossa, nossa... Eu diria amém para ver se acabava a romaria.
Imaginemos que no banco da praça, há uma estação ferroviária e que o trem vem vindo. Mas você não chegou nele. Então, talvez seja uma rodoviária. Lá vem um ônibus com sua própria poeira, aquela que só ele carrega e que fica sempre atrás, mas quando para, some inconteste sob tamanho resíduo trazido de longe. De belos horizontes trazem não só resíduos tóxicos, trânsito caótico e amizades com tempo cravado em dois. Escolha, dois beijos, dois dias, dois olhares, dois braços, dois olhos, grandes por sinal.
Então a poeira chegou e o ônibus surgiu feito nave espacial com estrelas em pó. Nesse momento, a porta se abre e do banco da praça, enquanto a lembrança conversa comigo e eu finjo ouvir, dizendo, “ahan” vejo cada um descer. Um, dois, três, quantos cabem no ônibus? Ah, depende, 46? Não contei, preocupei em fixar a imagem, coisa de lembrança. Opa, ela esta ao meu lado e não parava de falar dos passados. Acho que vou leva-la para tomar uma boa dose de whisky, quem sabe ela para de conversar um pouco...
A poeira se foi. O ônibus também. As badaladas cessaram. A praça se encheu, afinal, única atração do meu viver, era óbvio, o claro confuso. Mas só tem uma praça, um banco para se sentar, uma igreja para se confessar, um coração para se perder. Sem explicação.
Olhei para o lado procurando a lembrança. Ela estava ao longo da única estrada que eu via. Única direção possível. Caminhava devagar, passo a passo. Levantei-me do banco da praça que estava há pouco tempo empoeirada pelo ônibus que chegou e que ao mesmo tempo partiu, pelas badaladas do sino psicótico do padre insano e dos abandonos normais, que casais se acostumaram a se converter ao casar. Prometo separar-me o mais rápido possível, pois não sei fazer planos para o futuro, hoje, a moda é imediatista. Memória? Só de computador. O melhor é ter a liberdade de amar a vontade, enquanto o banco da praça fica para trás, a poeira se esvai, a lembrança está muito distante, impossível de alcançar e a igreja já fechou suas portas.
Pensei, pra que ficar aqui? Mas para onde ir? Ah, qualquer lugar você estará aqui. Não importa se vai ou se vem, sabemos onde está, pois estará em lugar seguro, mesmo não sabendo ao certo, o importante é que é seguro. Tenha certeza disso!
Levantei-me. A igreja diante de mim. A rodoviária atrás. A lembrança estrada afora. Resolvi seguir meu coração, aliás, em nenhum momento ele foi consultado. Bate, grita, clama, mas não é escutado, pois a razão, diz que sabe mais... será?