ARDóSIA 15 : O casório
Como todo município brasuca, Ardósia possui seus apaixonados por futebol. E os apaixonados por suas mulheres. Os adeptos do primeiro time crescem em escala maior que do segundo, para desânimo das enciumadas namoradas, noivas, amantes, esposas e afins.
Membro dos dois clubes (amante de futebol e da noiva), Teotônio está preocupado. A equipe do Corinthians, com o “fenômeno” Ronaldo disputa as finais do Campeonato Paulista 2009 contra o Santos. A grande decisão é neste domingo, 16h. Sampaulino, ele não dá a mínima. Mas dois de seus melhores amigos são “curintiâno roxo”, e isso está tirando a tranquilidade de seu sono. A amizade com Gilvar e Ronildo levou a convidá-los, um mês antes, para serem padrinhos de seu enlace. Neste domingo, às 16h.
- Pode esquecer, Téo. Não vou ao teu casamento! – garantiu o fanático Roni.
- Você quer que a Laura me mate? Quero dizer, nos mate??
- Fica tranqüilo. Converso com ela... digo que vou no teu próximo casamento!
- Piadas numa hora dessas... é isso que preciso agora!
- Calma, gente. Pensei numa ideia que pode resolver o problema de todo mundo... – Interrompeu Gil, com ar de mistério e cara de quem descobriu, de uma hora para outra, a solução para o conflito entre israelenses e palestinos.
Domingo de casório, 16h15min. Igreja lotada, boa parte das famílias dos bairros Vila Desalento e Chácara do Furdun está presente. Inclusive os padrinhos, para alívio de Téo que, a bem da verdade, ainda está apreensivo. “É natural, trata-se seu casamento”, pode pensar o incauto leitor. Claro, mas o principal motivo é a falta de confiança na solução encontrada pelos amigos. Mas, enfim, é hora de fazer figa, torcer para que a cerimônia termine o mais rápido possível e dizer o “sim”.
Tanta complicação conjunta deixa sua bexiga a ponto de estourar!
Téo está em seu lugar, tal qual pingüim de geladeira. Os padrinhos também, em seus postos. A mãe da noiva exibe sorriso de orelha a orelha, assim como o pai do pinguim. Se a gente observar com atenção, porém, percebe que sua esposa, ou seja, a mãe do pinguim, tem um sorriso forçado e os olhos desanimados. Deve ter lá seus motivos... quem sabe? Começa a música.
Laura entra de braços dados com o pai. Segura as lágrimas como pode, a cerimônia beira a perfeição: igreja lotada, decoração florida e até a música – apesar da desaprovação inicial do padre com o arranjo “moderno demais”, quase um funk – está nos conformes. Tanta emoção não lhe permite perceber as gotas de suor na testa do amado. Téo alterna o olhar entre a noiva (“Toda de branco! Que desfaçatez... como se ninguém soubesse!”, murmura tia Ane Dota às comadres) e Roni. O padrinho tem o rosto duro, vista perdida, alheio ao ritual que ocorre à sua volta.
“Deus tenha piedade de mim”, pensa o noivo ao receber a angelical Laura ao seu lado. Roni começa a fazer caras e bocas... Téo treme. “Calma, amor. Logo estaremos em lua-de-mel!”, murmura-lhe a futura esposa. “Queria ter a tua confiança”, pensou.
O padre inicia o sermão. “Deus os uniu” ... “duas pessoas de bem” ... “feliz dia para a sociedade ardosiense” ... “etc e tal”. A cerimônia já está nos últimos detalhes, faltam apenas os “sim’s” e, nesse momento, a bexiga de Téo encontra-se menos ansiosa. Apesar do olhar perdido, Roni comporta-se exemplarmente e, depois da igreja, ele que vá para onde bem entender. “Sr. Teotônio de Almeida Prado, aceita Laura Cristina Dota como sua legítima esposa, para amá-la e respeitá-la e etc etc?” Sim! “E a senhora, dona Laura Cristina Dota, aceita Teotônio de Almeida Prado etc, etc?”. Goooooooooooooooooollllllllll!!!!!!!!!!!!
A igreja inteira, que olhava o casal, passa a observar, atônita, ao esdrúxulo padrinho que, com os dois braços levantados, fica paralisado ao perceber a gafe. De sua orelha esquerda, cai o fone ligado a um celular escondido no bolso da calça. Quase todos os olhares estão atônitos... exceto dois. O de Téo, desanimado, pensando “faltou tão pouco”. E o de sua quase-esposa, de fúria. Mas foi com esses olhos e os dentes cerrados, que disse ao padre: “aceito”.
A festa foi um tanto tensa... E Téo precisou rebolar para retornar da lua-de-mel ainda casado.