ARDóSIA 14 : Fenômeno

A cada duas frases, um beijinho. Ora na orelha, ora selinho. Vez por outra, um afago nas feridas. O amor está no ar... A retomada do noivado entre Laura e Téo é puro encanto. Para compensar o tempo perdido, as ações correm a passos largos. Estão ambos tomando suco na lanchonete, e Laura decide:

- Bom, agora que a gente já acertou a data do casamento, falta ver a casa.

- Casa?

- Não quer que nossos filhos cresçam no meio da rua, né?

- Filhos??

- Calma, Téo... segura a franga, rapaz! Vamos deixar os filhos mais pra frente. Mas casa a gente precisa. Não quero morar com pais ou sogros.

- Meu docinho de coco, não me importa casarmos o mais rápido possível, mas daí fica difícil adquirir uma casa antes do enlace!

Após reconquistar o carinho da amada com um poema de Manuel Bandeira, Téo gostou de usar palavras “difíceis” e “elegantes”.

– A não ser que eu ganhe na loteria; mas considerando que a chance disso acontecer é remota...

Aê, Téo! Parece intelectual!

– ...teremos que considerar outras opções. Herança está descartada, só morrendo um parente perdido nalgum canto do mundo, de maneira que não sobram muitas alternativas e “pais e sogros” devem ser considerados!

- Você já ouviu falar em financiamento? O governo está facilitando a vida de gente como a gente que quer comprar sua casinha.

- Com a merreca que eu ganho?

A poesia foi pro espaço...

- Se vira! Quero minha casa!

- Não gosto de ficar me humilhando pra “bacana” de banco e implorar empréstimo.

- Ninguém vai se humilhar ou implorar, é só um financiamento. Pra nossa casa!

Chegam, em meio à acalorada disputa de ideias, Gil e Roni, felizes com o sucesso em reaproximar os “pombinhos”.

- Calma, gente. Mal voltaram e já estão discutindo? Tá lôco!

- Fica na tua, Gil. É assunto sério: onde vamos morar depois do casamento.

- Já marcaram o casório? Não querem perder mesmo tempo, hein?

- Pois é... – Téo sabia que a informação não seria recebida da melhor maneira – Será daqui a um mês.

Gil e Roni – sabedores que seriam padrinhos de Téo – trocaram olhares. O noivo também fitou-os com cumplicidade. Nenhum dos três tocou mais no assunto. Não naquele dia.

As duas semanas seguintes foram intensas. Igreja, salão de festas, decoração, vestuário e dois jogos pelo Campeonato Paulista. Pois é. Corinthianos fanáticos, os padrinhos do noivo ficaram preocupados ao saber a data do casamento, mas decidiram não criar caso, esperando os resultados das partidas seguintes, pelas semifinais do torneio. Téo torceu ardentemente pelo São Paulo, não apenas por força da paixão, mas para que os amigos esquecessem de futebol na data mais importante de sua curta vida.

As semanas passaram e duas vitórias alvinegras deixaram Téo de cabeça inchada. Jamais dera muita importância à bola, por isso a noiva estranhou tamanho desalento do rapaz. “Puxa. É a primeira vez que você fica dessa maneira por causa do São Paulo. E olha que já perdeu bastante!”, riu a palmeirense Laura.

Ronaldo, o maior artilheiro da história das Copas do Mundo, marcou o gol que decretou a ida do Corinthians à final do “Paulistão”. Por isso, tornou-se “persona non grata” para Téo, que decidiu colocar a questão em pratos limpos com os amigos.

- Vocês não vão me aprontar agora, hein?

- Putz... não tinha outro dia pra marcar o casamento? Não dá pra adiantar de domingo pra sábado? – perguntou Gil.

- Agora não dá mais! Faltam quinze dias!

- Bom, é claro que a gente não vai furar com você. Mas é duro, né? Casamento em dia de final... Mas pode contar comigo, afinal seremos os padrinhos, né?

- Roni?

O amigo olha feio. Silêncio.

- Pelamordedeus! É meu casamento! O futebol é mais importante?

Os olhos de Roni demonstram irritação. Afinal de contas, não era o futebol, era o Timão. Ele dá meia volta e sai. Gil procura acalmar o preocupado noivo.

- Calma, ele esfria a cabeça e estaremos todos na igreja, iguais pingüins!

Téo sorri com o estímulo de Gil, mas sem muita convicção.

Havia ainda uma esperança. Se o Santos – adversário da final – conseguisse uma vitória folgada no primeiro jogo, ou seja, enfiasse um “saco” de gols, seria uma injeção de desânimo na torcida corinthiana e Roni não se importaria tanto em perder a partida decisiva no casamento.

As esperanças ruíram no final da tarde daquele domingo. Dois gols – um golaço – de Ronaldo sacramentaram a vitória de 3x1 sobre o Santos. O segundo jogo seria a festa de confirmação do título.

Após aquela primeira partida, Roni e Gil participam de uma carreata pelas ruas de Ardósia comemorando a vitória. Em certo ponto do percurso, Gil percebe Téo na calçada e o aponta para Roni, já com cinco cervejas na cabeça. O noivo olha suplicante. Desta vez, o amigo abre um sorriso enorme. E mostra o dedo médio da mão direita, demonstrando completa ausência de sobriedade e educação.

Téo desanima. São sete dias para garantir os padrinhos na cerimônia. Em dado momento, o desânimo transforma-se em irritação. Não é um cara violento, mas para preservar a integridade física de Ronaldo “Fenômeno”, seria de bom tom ele passar longe de Ardósia nos dias seguintes.

Nichollas AIberto
Enviado por Nichollas AIberto em 08/08/2012
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