O MENINO DO FORMIGUEIRO (2ª PARTE)
as a respeito dos pais. - O sitio do velho Joaquim era situado na encosta a menos de um quilometro do cruzeiro donde havia o cemitério dos quilombolas, cujo povoado ficava no lado oposto margeando o córrego do boqueirão. Que brotava das fendas no cume da serra das almas, despencando em uma bela cachoeira atingindo área mais plana. Ao pé da serra aonde iniciava um arruamento desordenado. Casas simples de chão batido, mas bem cuidadas. Plantadas na garganta serra, esconderijo de escravos fugitivos, que só após a abolição passou a ser frequentado por aventureiros faiscadores de pedras preciosas, que adentravam por aquele sertão. O mesmo curso d’água que saciava o povoado contornava a encosta, servindo ao sitio de seu Joaquim, prosseguia seu curso serpenteando várzea afora cortando sua lavoura pelo meio indo desaguar no rio. Água pura, abundante e cristalina, habitat de cardumes de peixes. Uma variedade de espécies, que migrando do rio, subiam córrego acima proporcionado excelentes pescarias. Um pequeno outeiro não muito íngreme ente o sitio e o quilombo, ostentava o cruzeiro, símbolo da fé daquela gente cujos ancestrais estavam sepultados no seu entorno.
Tavinho, ansioso pelo tempo que na sua concepção de criança passava vagarosamente, até o momento de freqüentar a escola do povoado. Completaria sete anos no final do ano em curso. Entusiasmado com as aulas de Margarida, Já se metia a ensinar algumas letras aos coleguinhas quilombolas durante as brincadeiras aos domingos, quando as famílias se reuniam no cruzeiro cultuando a memória de seus entes falecidos. O cruzeiro ponto de encontro das famílias não cabia mais rabiscos dos guris, que usavam pedrinhas da tabatinga para nele escrever. Uma cerca com um metro de altura com estacas bem aparadas em formato circular numa de cinco metros ao pé do cruzeiro, era o local de reunião. Às sepulturas dispostas ordenadamente por fora desta área no seu entorno, estavam protegidas por outra cerca de pedras padronizadas, também em circulo, evitando à entrada de animais na faixa de sepultamento. Pedras coloridas demarcavam as sepulturas. Cada falecido era identificado, de acordo com a Cor e numero de pedras um enigma que só os afro-descendentes sabiam decifrar.
Margarida e o velho Joaquim desfrutavam de solida amizade com aquela gente misteriosa, quilombolas e demais habitantes da região, incluindo silvícolas barranqueiros e pescadores nativos. Ao leste a mata secular, inexplorada, que iniciava na linha do horizonte donde a vista alcançava, dava a impressão que espremia o rio na encosta da serra. Ao norte, o intransponível alto da serra estava sempre bocejando um branco véu de neblina. No lado oeste o ocaso do astro ocorria mais cedo deitando a sombra da serra no seu boqueirão, fazendo com que as chaminés dos casebres com sua branca fumaça em riste, criassem figuras disformes descendo rio abaixo. No sentido sul três quilômetros de estrada carroçável contornava a encosta rumo à nascente do rio, voltando a oeste mais dois quilômetros ia dar no único povoado, fundado por colonizadores que ficaram ali suas raízes; vinte e poucas casas, incluindo uma vendinha, que comercializava alguns bens de consumo, uma capela bem cuidada. E a casa de escola, que era mantida pelo latifundiário dono daquele fim de mundo. Cuja sede situava bem ao pé da serra lado oposto defronte ao cruzeiro quilombola. Local donde se vislumbrava pelas alturas o véu de noiva da serra misturando-se às nuvens do infinito. Uma planície exuberante se estendia a partir da sede, adentrando numa abertura da mata com muitos quilômetros cultivados em lavouras. Absorvendo farta mão de obra, incluindo os afro-descendentes quilombolas, que em fila indiana cortavam a estrada passando pelo sitio de seu Joaquim percorrendo os cinco quilômetros rumo ao trabalho, no cultivo do algodão o principal produto da fazenda das almas, cujo proprietário era também um rico e bem sucedido empresário no ramo têxtil. Percurso este que até o povoado seria feito pelo Tavinho e seus inúmeros coleguinhas que graças ao incentivo de Margarida freqüentariam a escola pela primeira vez na historia daquela gente. A escolinha do povoado estava em período de férias, aguardando a volta do mestre escola que viajara a sua terra natal. O coronel Genaro ordenou sua ampliação para receber os novos alunos procedentes do quilombo incluindo Tavinho.
A mando do latifundiário o capataz da fazenda dirigiu até a estação ferroviária a quinze quilômetros do povoado conduzindo uma montaria ao mestre escola, que retornaria no trem cargueiro que transportava o algodão da fazenda até sua indústria na capital. Mas ao invés do mestre apenas um bilhete, que abalou o povoado. O mestre escola falecera subitamente.