ARDóSIA 11 : Surpresas de Páscoa
- Mano, tenho um plano incrível pro Téo reconquistar a Laura.
Gil, que acabara de fazer os primeiros minutos de corrida na vida, mal conseguia respirar e apenas ouvia as palavras que Roni afoitamente despejava. Estavam ambos na mesa de um boteco, ao lado da pista de cooper que contorna o Lago da Pacificação. Seu rosto, porém, era de preocupação; talvez por imaginar que o tal “plano” do amigo seria catastrófico, talvez pelo receio de um ataque cardíaco fulminante; provavelmente um pouco de cada.
- Descobri que ela vai jantar com as amigas lá no “Moinhos” no domingo de Páscoa. A ideia é a gente baixar por lá e, enquanto o pessoal ranga, o Téo se declara, de pé, no meio de todo mundo!
A cara de Gil demonstrava sua inquietação.
- Prá todo mundo ouvir! Quero ver ela reclamar que o cara não demonstra os sentimentos em público. Véio, ela vai gamar!
Gil tentou se acalmar. Precisava recuperar o fôlego para algumas palavras. Era preciso deter a catástrofe!
- O Téo que não bobeie! Ela vai sair pra paquerar, entendeu? Se ele ficar no canto, ela arranja outro em plena Páscoa!
- Você é retardado? O Téo nunca vai ter coragem. E, se fizer, vai passar carão na frente de metade de Ardósia. – só Deus sabe o esforço hercúleo de Gil pra colocar pra fora tantas sílabas de uma só vez.
- Tá decidido, ó, estraga-prazer! O cara adorou a ideia e tá até decorando um poema pra falar na hora H.
Gil apenas franziu a testa. Era pior que o imaginado.
- E quer saber de uma coisa? Você tá ridículo nessa roupinha, não tinha bermuda pra homem, não? Essa barba rala é uma piada!
Não teve jeito. Após o almoço de Páscoa, os amigos reunidos decidiam os detalhes. Gil limitava-se a dizer “isso não vai dar certo”, mas parou depois de perceber que nada os deteria. Téo estava decidido. “Bão. Se você vai mesmo, mete as cara, faz direito! Conquista essa mulher de novo!”. O rapaz agradeceu o apoio tardio, mas decidido, de Gil. “Até que enfim você fala algo positivo, pelamordedeus!”, reclamou Roni, enquanto conferia se o “Romeu” havia decorado o poema.
- Como assim, não decorou? É o melhor da festa!
- Hi, cara, muito comprido. Muito difícil. Nem sei quem é esse Manuel Bandeira.
- Tá louco... depois o toupeira sou eu! Vai sem poema mesmo... Vamos à luta!
Às oito da noite, chegaram Laura e suas amigas ao “Moinhos”. Os três mosqueteiros, Téo, Roni e Gil, estavam em uma mesa no cantinho, quase despercebidos. Local estratégico, todo o salão no ângulo de vista. Excitação entre eles; iriam esperar o jantar das garotas esquentar para colocar o plano em prática. Por enquanto, elas apenas trocavam ovos de chocolate e esperavam chegar as retardatárias. “É isso aí, véio! A Páscoa não é o renascimento de Jesus? Pois nosso namoro vai ressurgir das cinzas!”. Roni emocionou-se com as palavras, mas guardou o sentimento pra si. “Coisa de veado, né?”.
Téo não esperava que houvesse tantas mulheres, cerca de vinte. Pensou serem apenas as três ou quatro de sempre. Mesmo assim, de repente levantou. Sentou. “Vai lá, cara! Aproveita, acabou de chegar a comida das meninas, estão no ‘mó’ papo animado! Daqui a pouco cai aquele baixo astral do estômago cheio”, comandou Gil, completado por Roni: “Não vai amarelar agora, né?”.
- Vou esperar mais um pouco.
Os amigos, com o passar do tempo, iam ficando ora desanimados, ora irritados. O cara não ia sair da mesa! Então perceberam que as primeiras garotas ameaçavam despedir-se. Era agora ou nunca.
Téo levantou.
Dois passos.
Titubeou.
Então o grupo de garotas virou os rostos. Perceberam a aproximação. Ficaram inquietas. Essa, ao menos, foi a percepção de Téo. O rapaz não teve alternativa a não ser prosseguir a caminhada. O sangue congelou, o chão desapareceu sob os pés, mas enfim chegou à mesa-alvo.
- Eita! Parece que tem gente que não foi convidada, mas decidiu despedir-se da Laura também! – gritou uma das meninas.
A cara atônita do moço denunciou desconhecimento do assunto.
- Não diga que você não sabe que a Laura vai embora?
- Como é? - perguntou em direção à ex-noiva.
Laura levantou-se e foi em direção de Téo.
- Você veio falar alguma coisa? Ou tá só de passagem até o banheiro?
- Você vai embora?
- Vou pra São Paulo, morar com meu tio. Quero estudar e conseguir um bom emprego.
- Você não pode... – os olhos de Téo eram suplicantes.
- Por quê?
- Não vá...
- Por quê??
Téo olhou para a mesa. Cerca de quarenta olhos fixos em si. Vários sorrisos sarcásticos. Nunca fora popular com as amigas de Laura. Deixou a vista cair ao solo. Não conseguia encarar as amigas e, muito menos, o grande amor de sua vida. Deveria, mas não conseguia...
- Que você quer, Téo?
- Não pode...
Laura esperou alguns segundos. O ex-futuro marido apenas levantou o rosto e ficou olhando pra ela. Ela fitava-o fixa, esperando uma frase, um pedido, qualquer coisa.
Nada.
A moça pegou sua bolsa, disse algo que Téo não entendeu e foi embora. “Irritada pacas!”, observaria depois Roni. Téo ficou olhando, completamente constrangido pelos risos contidos das garotas e com ódio por aquela paralisia que não conseguia explicar, embora conhecesse tão bem. Paralisia que sequer permitiu-lhe ouvir a última palavra dita por Laura: “Babaca”.