ARDóSIA 08 : Tânia
Tudo bem, o Téo é um cara legal, gente boa. Mas aquela situação já estava enchendo o saco! Dá para aceitar levar uns catiripapos do amigo, depressivo com o fim do noivado e que, por uma lógica obtusa, colocava nele a culpa pela tragédia. Mas tomar uma bolsada na cara, no meio de um monte de mulher, já era demais! - Esse era, em resumo (editando palavrões e desaforos) o pensamento de Roni a caminho da casa de Tânia, a coitada que, por causa de graves problemas intestinais, faltara ao trabalho na loja de lembranças EntreLaços. A moça que criou toda a confusão que agora ele era obrigado a esclarecer.
A residência era simples, daquelas antigas; a porta dava diretamente na rua. Roni deu três “toc’s” e esperou pacientemente longos trinta segundos até ouvir uma voz feminina: “quem é?”, enquanto alguém espiava pelo olho mágico. Devidamente identificado, “Ronildo Afrânio Pontes, da Vila Pavuna, amigo do Téo, noivo da Laura, quero dizer, ex-noivo”, foram alguns segundos para a porta se abrir. Só um pouco, o suficiente para aparecer o rosto desconfiado da dona da casa.
- Você não é o cara do ônibus?
- Preciso falar com você. Tânia é teu nome, né? Posso entrar? É urgente!
- Olha...
- Sei que você não se sente bem, mas é coisa rápida. Dois minutinhos. Pode salvar a vida de um homem! Ou melhor, de dois! – Roni disse as palavras impulsionando levemente a porta, seu desespero era grande. Percebeu, então as curvas da morena em uma camisola transparente. “Carambola! Essa daí não tá mal... magrinha mas jeitosa. E olha que tá doente!”.
Bem, caro leitor... esse pensamento também foi editado. Pode haver crianças lendo...
- Tá louco? Outro dia a gente conversa!
- Putz... Meu amigo Téo tá quase se matando! Naquele dia do ônibus, quando eu e a Kiara tínhamos um lance, você confundiu achando que ele te paquerava, mas não foi nada disso.
- O Téo? – Os olhos da enferma brilharam e ela soltou a porta. – Que tem ele? Entra aí, mas tem que ser rápido, tenho visita.
- Quem era, querida? – nesse momento, entra um homem na sala. Calvo, um tanto barrigudo, barba bem feita. Mas nu. Roni, de pé no meio da sala, arregala os olhos e dá um pulo pra trás. “Quiéisso?!”. O peladão, assustado, pega um vaso sobre a mesa para esconder suas “coisas” mas, na ânsia, acerta o saco. Ouve-se um grito de dor. O grito seguinte é de Tânia, bem mais agudo. O terceiro é Roni, dando outro passo pra trás. “Vai fazer o que com esse vaso, cara?!”.
O nudista careca volta correndo ao quarto.
- Tá com os zóio arregalado por quê, mané? Nunca viu homem pelado? Não tem espelho em casa?
- Mas você...
- Aê, sabidão, descobriu que não tô doente. Fala isso na EntreLaços e vai ficar ruim pra você!
Nosso herói nem ligou para a ameaça, hipnotizado pelas coxas da falsa magra sob a curta camisolinha.
- Puxa, você não é tão magra....
- Cuméquié?
- Quero dizer... Garota, tô nem aí se você tá doente ou tá dando...
- Olha o respeito, rapaz!
- ...eu só quero resolver minha situação. Naquele dia, eu tava mesmo dando um agá na Kiara, mas ele...
De repente o peladão retorna. Nem tão desnudo mais, está de shorts. Mas armado, e não me refiro ao conteúdo do calção. Uma faca na mão direita. E berra:
- Não é nada do que você tá pensando! Deixa a Tânia em paz, seu desgraçado!
Foram três passos de uma só vez para trás, fazendo com que Roni tropeçasse e caísse sobre o tapete, derrubando o telefone da mesinha.
- Eu amo essa mulher, okei? E se você não aceitar, a gente acerta as contas agora mesmo!
Roni molhava as calças enquanto ia de cócoras – de costas – em direção à porta. Serena e calma, com as mãos na cintura, a falsa enferma disse ao tresloucado seminu:
- Tu é retardado, Tucão? Esse não é meu marido.
Tucão ficou confuso, esperando informação complementar.
- É um panaca que veio conversar comigo. Tem uns rolos aí. Volta pro quarto que daqui a pouco a gente termina.
O gordinho começou a tremer, as pernas bambearam... “Graças a Deus... pensei que eu ia morrer”.
Ronildo foi se levantando aos poucos, torcendo para ninguém notar o jeans levemente úmido. Sentou-se no sofá ao lado.
- Olha – retomou a amigável conversa nossa promíscua balconista -, enquanto você fazia aquele teatro com a Kiara, teu amigo ficou me secando, tá certo? Sorria toda hora e chegou até a piscar. Não tô louca, meu amigo, sei o que vi.
- Pode ter se confundido! Eu garanto que ele não fez nada!
- Se quer saber, esse Téo é mó gatinho. Se a tonta da noiva resolveu terminar, manda ele pra cá. Vou consolar direitinho...
Entre desanimado, assustado e excitado, Roni não sabia mais o que dizer. Mas enfim, perdido por um, perdido por dez.
- Viu... O Téo quer é voltar pra Laura, ele não tem olhos pra outra mulher. Você me desculpa, mas não tem chance com ele.
- Cê que pensa.
- Mas ó... Eu tô livre, gostei de você. Naquele dia mesmo, eu queria um jeito de me aproximar de você, mas a Kiara não deu brecha.
- Hummm... Saidinho você, hein, rapaz?
Roni aproximou-se de Tânia, abaixando o volume da voz.
- Será que a gente não pode se encontrar um dia des...
A frase foi interrompida pelo careca gorducho, agora de shorts e camiseta, que entrou correndo com a mesma faca na mão. “Agora eu te mato, fêladaputa!”.
Tânia ficou pensando como Roni conseguiu abrir a porta com tamanha destreza e rapidez. Viu apenas a imagem do magricelo ao longe, fugindo em desabalada carreira. O amante desistiu na saída da casa. Afinal, ainda era apenas “o amante”. Quanto a Roni, virou poeira.