O doido

Na segunda-feira vieram me contar que ele chegou em casa

aos tropeços, trêbado, agachado mesmo, de gatinho, e encontrou

a mãe rezando aos pés da São Geraldo, protetor da família há

várias gerações. Arrancou o quadro da parede, tirou o Santo da

moldura, enfiou-o em forma de canudo debaixo do braço, desceu

ao bar, tomou mais uma em homenagem ao Santo, comprou um

foguete de vara, enrolou o canudo no foguete, amarrou, mirou

pra cima, acendeu o pavio e gritou:

__ Lugar de Santo é no Céu...

Na terça-feira vieram me contar que ele voltava para casa,

mais chumbado que ontem, tão tonto que não viu o Bob, cão de

guarda, dormindo a sono solto num canto e pisou-lhe o rabo.

Bob reagiu conforme a lei canina. O doido aguentou o que pôde e

quando o bicho se deu por satisfeito e voltou pro seu sono, o

nosso amigo foi à beira do rio, buscou uma pedra em forma de

laje e a soltou no dorminhoco que nem sequer acordou, quanto

menos latiu, partindo desta pra outra sem ao menos se dar conta

do fato. Aí, ele continuou caminho, comentando:

__ Quem tem inimigo num dorme...

Na quarta-feira vieram me contar que ele foi preso e criou

o maior ranço. Não pela prisão. Já acostumara. Dizia, inclusive,

que cadeia pra ele era hotel. É que arrancaram um prego que

ele afixara na parede, perto do " boi ", pra pendurar a roupa.

__ É meu preguinho de estimação... tava aqui há mais de quinze

anos. Sem ele num vou preso, num vou mesmo...

Na quinta-feira vieram me contar que ele cismou ser um

caminhão de carga. Desceu a ladeira acelerado, virou à direita

em direção ao armazém do Português, parou para descarregar,

deu ré e voltou quente. A certa altura brecou, cantando os

pneus e buzinando. Um pintinho ensaiava, despreocupado,

o seu primeiro ciscado e nem deu bola. O caminhão acelerou e

passou por cima do bichinho.

__ Uai, eu businei...

Na sexta-feira vieram me contar que ele machucou a mão

direita e levou seis pontos. É que chegou diante do espelho

e perguntou:

__ Espelho, espelho meu, existe alguém mais feio do que eu?

Diz ele que o espelho deu uma gargalhada e respondeu:

__ Vai ser feio assim na puta que o pariu...

Esmurrou o espelho pra deixar de ser desbocado.

No sábado vieram me contar que ele vestiu uma túnica

branca, calçou sandálias, soltou os cabelos e saiu pela

cidade e pelos campos falando de paz, amor, fraternidade,

pregando a igualdade entre os homens. E que muita gente o

seguia, pois segundo testemunhos, ele estava até curando.

No domingo vieram me contar que bem cedinho ele foi

internado no manicômio. Com camisa-de-força e tudo.

Começava a ficar perigoso...

Observação: Do livro O Doido e Outras Maluquices

Edição 1967