ARDóSIA 06 : Intrigas
- Tudo vai se resolver, Téo. Foi só uma briga, não adianta ficar arrasado assim.
- Você não viu os olhos dela. O tom da voz. Era raiva. A gente já teve um monte de brigas, mas nada assim.
- Até onde sei, a Laura te ama. Não é uma briga boba que vai separar vocês.
- Sério, véio... Vou me matar.
* * *
- Seu cretino!! Eu não acredito! Como você pôde fazer isso comigo?
- Pelamordedeus, Laura! Não teve nada! Eu só tava no busão!
- A Tânia me contou tudo! Filho de um cão, a gente ia se casar!
- Como assim?
- Cê pensa que a gente continua desse jeito, Teotônio?
- Olha a besteira, Lá! Tô perdendo a paciência...
- Vá se f#@*%!
* * *
Tânia é colega de trampo de Kiara, ambas balconistas na “EntreLaços”, uma pequena mas simpática loja de presentes na região central de Ardósia, uma ainda menor e mais simpática cidade do Centro Oeste paulista. Poucos dias antes, como sempre, estiveram no ônibus voltando para casa quando foram abordadas por dois rapazes. O primeiro, mais direto, puxou conversa com Kiara, inclusive pedindo o número de seu telefone. Ela negou, claro, mas o descarado, não satisfeito, anotou o seu em um papel e deixou com ela. O segundo, mais distante, ficou só à espreita, esperando o momento certo para se aproximar e tentar alguma coisa com Tânia. Ou, quem sabe, com ambas! O descaramento desses homens não tem medida!
Tânia estava ao lado da amiga, ouvindo a conversa mole do cara, que elogiava a beleza de Kiara. “Mas numa conversa nada a ver, amiga! Você tinha que ouvir! Tava difícil não rir da cara dele!”. Laura ouvia atônita. “E ficava o amigo dele de longe, só me secando, olhando todo o movimento do outro sem-noção. Aí eu pensei: conheço o nóia. Amiga, não acreditei quando percebi que era o Téo”.
Laura deixou a vista no chão, mas teve coragem: “E aí?”.
- Ficou sorrindo, amiga. Pra mim. Até piscou.
Os olhos de Laura permaneciam direcionados ao piso, mas fechados. Assim como os punhos, amarrotando o lenço que trazia nas mãos.
* * *
Os olhos, agora, estavam abertos. Muito bem abertos e mirando firmes os de Téo, atônitos. Adiantava explicar que era Roni quem paquerava a garota ruiva, a tal Kiara? Adiantava dizer que há anos pega o mesmo coletivo que essas duas garotas e nunca trocou mais que um “olá”? Adiantava fazê-la entender que ele apenas observava o amigo tentando paquerar, obviamente com um sorriso, já que o desengonçado Ronildo nunca teve jeito com mulheres?
Não.
Não adiantava.
Laura ameaçou um tapa no rosto de Téo, mas conteve-se. O noivo (ex?) chegou a fechar os olhos, entre o cômico e o trágico. As lágrimas da desapontada garota faziam a cena tender para o drama. Independente do desfecho da cena, Téo não reagiria; jamais encostaria um dedo em Laura. Nem sonhava fazer qualquer mal à mulher de sua vida. Não tinha cabeça para outras. Nem olhos. Muito menos sorrisos.
Tudo insuficiente para demover Laura de sua cega raiva.
* * *
- Meu, toma outra cerveja. Ajuda a relaxar.
- Que se foda, relaxar... – Embora duras, as palavras foram ditas serenamente, como quem não quer competir com as ruidosas conversas que tomavam conta do bar. Gilvar tentava animá-lo, mas o fim do noivado com Laura deixara Téo em estado terminal. Olhar pedido e estômago pesando 15 quilos.
- A Lá ainda jogou na minha cara que nunca fui romântico. Que nunca tive coragem de demonstrar carinho na frente das outras pessoas.
- Ela sabe que isso não é verdade.
- Mas isso é verdade.
Gilvar olhou o companheiro, bravo: “Porra, tô tentando ajudar”. Téo devolveu o olhar, não chegou a sorrir, mas quase. As pupilas permaneciam insignificantes.
- Tudo vai se resolver, Téo. Foi só uma briga, não adianta ficar arrasado assim.
- Você não viu os olhos dela. O tom da voz. Era raiva. A gente já teve um monte de brigas, mas nada assim.
- Até onde sei, a Laura te ama. Não é uma briga boba que vai separar vocês.
- Sério, véio... Vou me matar.