ARDóSIA 05 : No ônibus

No dia seguinte, Ronildo acordou com sono. Não conseguiu dormir direito, tentando decifrar a expressão no rosto de Kiara, quando se encontraram no ônibus. Seria uma tímida que não conseguiu fixar os olhos nele, apesar de encantada? Ou apenas achou-o feio? Tinha mesmo reparado nele? Roni tomou banho pelo segundo dia consecutivo, o que não acontecia em pleno inverno desde sua adolescência. Sem perfume, hoje; aí seria coisa de veado.

Mal conseguiu trabalhar, apreensivo com o novo relacionamento... tão recente e tão forte! Trabalhou com desleixo maior que o habitual. Até seu chefe, sempre indiferente à sua falta de empenho, reclamou. Destemido, saiu mais cedo do trabalho sem sequer avisar alguém. Não faria diferença mesmo. Conseguiu dinheiro com a irmã e foi de ônibus até o bairro onde ela trabalhava. Ficou em seu ponto, no canto, olhando de rabo de olho. Não conseguiu impedir que, ao chegar o ônibus, várias pessoas subissem entre ambos. Tudo bem, Ronildo estava um tanto apreensivo, sem jeito. Que dizer? Ah! A novela, o tempo, o pagode.

Dois pontos depois, entra Teotônio. “De novo tu? Tá trampando por aqui?”.

- Cala a boca, rapá... Quero chegar junto na Kiara.

- A mina nem sabe que você existe!

- Até ontem, mermão. As coisas mudam. O mundo capota!

- Capota?

- É isso aí. Comigo não gira, capota.

- Vai lá, então. Quero ver! Vai que é nossa, véio!

Hoje nada o deteria. O cobrador, mais uma vez, estava sem troco. Com pesar no coração, ficaram 50 centavos para trás. Empurrou homens, esbarrou em senhoras, chutou crianças. Mas estava, enfim, ao seu lado.

Conversava com uma amiga. Bonita também, mas nem tanto, muito magra, “Vou pegar onde?”. Arriscou um “tá lotado hoje o busão, né?”. Recebeu um “Até que não... ontem tava pior”. Não era o que esperava, mas pelo menos a resposta veio da deusa e não da amiga.

Ficaram em silêncio alguns minutos. Ele arriscava um sorriso, mas as duas pareciam concentradas no fulano eliminado do BBB.

O ponto dela se aproximava. Decidiu arriscar. A vida é dos corajosos, afinal!

- Sabe o que tem hoje ainda melhor que ontem?

Ambas olharam, esperando pela resposta. Interromperam até o papo sobre o “paredão”.

- Teu sorriso.

Como não conseguiu decifrar a expressão em seu rosto, emendou:

- Ainda mais lindo que ontem. Sério. Não tem mina mais gostosa no busão. Nunca teve.

Ela sorriu... tímida. Definitivamente, Roni estava apaixonado.

- Brigada. Mas já vou descer.

- Pô... um elogio assim e não ganho nem o número de telefone?

- Ai... complicado, né? A gente não se conhece.

- Anota o meu, então. Mas não pensa que fico passando assim para qualquer uma... mas uma flor como você merece...

- Tô sem caneta. Não tenho onde anotar.

- Peraí...

- Vou descer.

- Tá aqui, ó!

Arrancou um papel velho do bolso e anotou com uma caneta emprestada do senhor que ouvia a conversa.

- Pra você, com carinho.

Ela sorriu e guardou o papel no bolso. O ônibus parou e ela, junto com a amiga, desceu. Roni ficou sorrindo... aquele riso bobo na face. Felicidade. Em estado puro! Ficou admirando Kiara na calçada, sorrindo ao lado da outra. Ou melhor, rindo.

Como é?

Percebeu que ambas olharam novamente para ele... e riam! O senhor ao lado, aquele que acompanhava o papo, talvez por sua imparcialidade, percebeu que, na verdade, gargalhavam. Téo teve a mesma impressão, diga-se de passagem... O coletivo foi se afastando, a imagem das duas diminuindo, mas o som das risadas parecia mais forte, ecoando nos ouvidos de Roni. Não sabia mais o que sentia. Vergonha, ódio, angústia, arrependimento. Um tanto de cada, não em porcentagens iguais.

Olhou para o tiozinho, que sorria.

- Otária... pensou que daria o número de verdade! Tá brincando... pra qualquer uma no busão? Só porque ela me deu bola? Sem chance...

Téo e Roni trocaram olhares. O amigo dividido entre o irônico e a piedade. Tamanha traição da mulher amada. Não merecia isso... Teria vontade de chorar, não fosse coisa de bicha. Que pensar? Que dizer? Como agir? Ficou imóvel, com cara de quem não tá nem aí... mas sem conseguir pensar em nada.

Ou quase... um pensamento o perseguiu até em casa...

“Aquela vaca”.

Nichollas AIberto
Enviado por Nichollas AIberto em 25/07/2012
Código do texto: T3797290
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