ARDóSIA 03 : Carnaval

- E aí, Jesu, “vamo” pro carnaval?

- Quiéisso moçada... deixa eu quieto aqui. Se a Eva sabe que eu só pensei no assunto, quebra minha cabeça ao meio!

Os risos rolam descontraídos. Era cômico ver aquele homem enorme, gordo e de ralos cabelos, com medo da reação da esposa, Evandra, uma mulher atarracada e de serenos olhos escuros. “Mas é braba como o cão, véio!”, reclama Jesuíno, proprietário do bar, apoiado no balcão enquanto serve os três amigos.

- Ah! Eu não perco esse baile por nada! Aliás, eu vou é me perder no meio da mulherada! Quero muito peito e bu...

- Olha a boca!!

Todos olham para Evandra, a poucos metros dali e dando a impressão de não ouvir o que diziam. Tola ingenuidade, como se percebe. Seu olhar, vermelho (“tem sangue nos óio, véio!”), demonstra o motivo dos receios do enorme, mas precavido, marido.

- Não tão vendo que têm crianças aqui? – apontou para os pequenos Ilícito e Idônea, que tomavam refrigerante atrás do balcão.

- Desculpa, dona. Meu amigo se empolgou um pouco.

Mais uma vez, Teotônio tinha que intervir em defesa de Gilvar. Sempre assim! Mas foi Ronildo quem continuou:

- Olha... na verdade eu também não vô. Tô duro pra carai! Quero comprar um presente pra Kiara e não consigo!

- Tô sabendo... – resmungou Gilvar.

- Pois é, tô fora.

- Nem olha pra mim, Gil! Quer que a Laura termine o noivado comigo? Se eu for, será com ela... Se ela sabe que fui sozinho, me capa!

- Tu vai casar, não vai mais precisar mesmo! – ri o amigo.

No fim das contas, Gilvar vai ao baile sozinho, no enfeitado salão do Clube Atlético Ardosiense, localizado em uma das saídas da cidade. Em áureos tempos, festas memoráveis arrepiavam os cabelos dos munícipes mais tradicionalistas. Hoje, decadente, mantém-se com bingos (ou melhor, “eventos beneficentes”, como dizem os convites), as festas de fim de ano e o baile de carnaval. Este ano, o salão principal, recentemente pintado com as cores do clube e da cidade, azul e verde, estava à caráter: serpentinas, balões e muitas máscaras espalhadas pelas paredes.

Gil chega excitado e “disposto a tudo”, vestido em um bermudão laranja com estrelas amarelas, chinelos de dedo e camisa calculadamente desabotoada na parte superior. Magricelo, é uma figura esquálida que surge nos portões do Ardosiense. Mas a noite promete...

O salão está escuro; a música, ensurdecedora. Para seu desânimo, muitas famílias e casais de namorados. “Isto já foi melhor... Cadê a putaria?”. Algumas sorridentes meninas dão-lhe migalhas de esperanças. Mas nenhuma é muito afável a suas aproximações.

- Cê tá sabendo que querem voltar com o time do Atlético de Ardósia? Rumo à Tóquio!

- Aê, babão!! Taí caçando as mina? Pegou alguma?

- Tem três contos pra me emprestar?

Essas foram as conversas mais excitantes que Gil tem durante a noite. Bem... houve uma mulata que lhe sorriu e trocou duas ou três palavras. Mas ela havia derramado cerveja em sua blusa... não conta!

Já de madrugada, quando pensa em retornar para casa, desanimado e derrotado, nosso herói percebe os olhares maliciosos de uma loira. Lááááááááá no fundiiiiiiiiiinho do salão, meio escondida... mas está ali... e dando bola pra ele!! Gil sorri amarelo, cansado de tantas desilusões amorosas instantâneas, e ainda confere em volta se não há outro rapaz sozinho nas proximidades. Mas aí... a garota aponta pra ele! Sim, era com ele mesmo! Ou melhor... “agora é comigo memo!”, e vai direto ao monumento loiro.

Beijinho na bochecha... marchinha de carnaval... cheiro de suor... mão boba pelas costas... A coisa ferve rápido. Pelo jeito, nenhum dos dois está ali pela folia carnavalesca. E rumam à casa de Gil.

Duas cervejas a mais e as roupas, que já eram poucas, vão sendo eliminadas. “Mano, a loira beija bem pacas!”. Então, de repente, a musa fica inibida, afastando o amante com as mãos. “Que foi, amor?”, “Desculpa, não dá”, “Fiz alguma coisa?”, “Nada, você é maravilhoso. É comigo”, “Você é perfeita!”. E a maravilhosa fita-o por alguns segundos. Olhos nos olhos. Ele, meio confuso, meio tarado. Ela, meio receosa, meio tarada.

- Não vamos estragar esta noite, querida. É carnaval! Vamos aproveitar! Se é camisinha, tem aqui! – Gil tira duas da mesinha de cabeceira. Tão logo joga os preservativos sobre os lençóis, lançou-se com ímpeto sobre a insegura rainha do carnaval, retirando-lhe o pouco que lhe restava de vestes. Então a noite, que começara otimista, seguiu desanimadora e prometia ser magnífica, toma traços trágicos. Bráulio aparece sem ser convidado...

Nichollas AIberto
Enviado por Nichollas AIberto em 24/07/2012
Código do texto: T3795396
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