DO OUTRO LADO DA RUA (8) - TERRINA DE PORCELANA

          O dia hoje amanheceu carrancudo, uma garoa fina teima em cair persistentemente esfriando ainda mais esta manhã de julho. Esse tempo assim carregado, me deixa desanimada e sem saber o que fazer, me lembro então de dona Chiquinha da casa de fundos do outro lado da rua, como estará a boa velhinha com este frio, estará bem aquecida em sua rústica casa de madeira? Pra lá me dirijo sem demora, a boa velhinha merece minha atenção mais do que nunca, nesta época de inverno.
          Lá chegando, a encontro cochilando em sua cadeira de balanço ao pé do fogão de lenha, com seu chalé de crochê enrolado ao pescoço e uma manta recobrindo as pernas, isto me deixa mais tranquila pois percebo que ela não está se descuidando.
          Me dirijo ao fogão e faço para ambas um chá de hortelã, erva que ela possui nos fundos do quintal e ali ao pé do fogão de lenha, tomando aquele chá quentinho e saboroso, a boa velhinha narra mais uma de suas passagens pela inesquecível fazendo de Engenho Novo, do coronel Porfírio e dona Maria das Graças, seus padrinhos.
          Chiquinha, naquela época com apenas 12 anos, era encarregada de servir a mesa quando seus padrinhos faziam as refeições, e numa daquelas ocasiões Chiquinha transportava uma terrina de porcelana, terrina esta vinda de Portugal com a família do coronel Porfírio, quando a mesma caiu e se quebrou. Não teve dúvidas, além de levar uma surra de vara de marmelo da madrinha, ficou sem poder dirigir a palavra aos padrinhos durante um mês, castigo por não prestar atenção e quebrar uma relíquia de família. Pergunto à boa velhinha se ela achou justo aquele castigo por parte da madrinha e ela me diz que sim pois eram estes os procedimentos daquela época e não se podia discutir.
          Em seguida me despeço de dona Chiquinha, saio dali com aquele fato martelando minha mente, imaginem só, uma adolescente que podia estar brincando em seus folguedos no quintal da fazenda, estava ali ajudando nos serviços domésticos, por uma fatalidade deixa quebrar um utensílio e leva uma surra como castigo, que despropósito era a visão de nossos antepassados, me coloco no lugar da minha doce velhinha, pois quantas vezes também apanhei por coisas que atualmente não condiz com esta arbitrariedade.!
          Minha doce velhinha da casa de fundos do outro lado da rua, ficou sabendo por mim que, nos tempos de hoje os procedimentos com as crianças são outros, quem bate, ou tortura uma criança pode responder processo e até ir preso.

Moly
Enviado por Moly em 23/07/2012
Reeditado em 02/08/2012
Código do texto: T3792507
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