ESCLEROSE

ESCLEROSE

Minha avó materna, veio passar uns dias em nossa casa na praia, no alto de seus 80 anos,oficial, antigamente, o registro civil era feito na época de casar, portanto, as idades com frequência tem erros para mais, em um belo dia de sol,fomos passear na orla, praia cheia, gente bonita,enquanto andávamos, D. Sanica, como era conhecida rezava seu terço com uma mão e com a outra segurava minha mão e seu missal apertado em seu peito.Eu,seu neto preferido, falava isso para os 81 netos que ela tinha, caminhava lentamente, observando as garotas e vez por outra trocando um dedo de prosa com alguém,ela de vez em quando, parava e olhava as meninas de biquíni e exclamava: Que pouca vergonha, ta quase pelada, só de calcinha e sutiã, o pai dela deve morrer de vergonha tadinho, La p´ras bandas de minas, já tinha entrado no coro.Mar azul, tão lindo e claro que ao longe o horizonte era engolido e se formava um só, céu e mar, as montanhas da serra do mar de um verde tão exuberante, que fazia justiça estar na bandeira nacional, que lugar lindo, um dos mais belos que já conheci;Areia branquinha, que chegava a arder os olhos,com seu brilho,sentamos em um banco e ficamos, ela a contemplar as paisagens e a rezar eu vendo as meninas, às vezes ,alguma passava muito próximo e D. Sanica soltava : Que disparate, essas meninas peladas, deve ter alguma coisa em casa para fazer, cozer uma meia, fazer uma quitanda, arrumar uma cozinha e você seu moleque sem vergonha, pare de olhar e achar engraçado senão te passo o coro, eu virava para o lado e ria.D. Sanica era de outro século, outra educação, lembro bem de minha mãe contando que quando criança, chegou a conhecer ex escravos e que minha avó tinha convivido com vários deles, em uma época conturbada, passou por revoluções, guerras mundiais e estava ali sentada vendo paisagens e comparando as meninas do final da década de 70 com as meninas das décadas de 10 e 20, a esclerose já se fazia notar, meu pai achava que ela tinha pelo menos 85 anos.Meus amigos , na maioria surfistas, cariocas, cheios de gíria, apenas de short, ao passarem ela exclamava: nem parece que vão à escola, não entendo uma palavra do que dizem, então, eu traduzia para ela.

No retorno para casa, andar lerdo, parte por ser mineira e parte por causa da idade, íamos parando de quando em quando, para descansar ou trocar o mistério do terço, quando um amigo, de infância, que também conhecia minha avó e sabia da doença, se aproximou e nos cumprimentou: e, ai brother, beleza, vó sanica tudo bem com a senhora, não vi a hora que ela disparou:Que que esse negrinho ta fazendo pra fora, vai já guardá-lo na senzala, não tem um terreiro para ele varrer, uma criação para ele cuidar, eu não sabia onde enfiar minha cara e meu amigo ria de chorar e dizia: oh, vó! sou eu Luizinho, a senhora foi ama de leite de meu pai num ta me reconhecendo, pega este peste fujão e bota no tronco, chama logo o feitor, que desaforado, ainda ta falando é o fim do mundo, onde já se viu, pera ai seu peste que já vou te ensinar a obedecer, pega meu chicote. Luizinho, sabia que era a doença, eu sabia que era a maior vergonha que alguém podia ter passado, e dizia deixa brother,se não fosse sua avó ,meu pai tinha morrido e eu não tinha nascido eu sei que é tudo vivencia do passado.Luizinho se afastou, rindo ate não poder mais, eu querendo largar aquela velha idiota ali no meio da calçada, mas me contive, tinha sido apenas um surto, chegamos em casa, contei para meus pais, muito bravo e pedia que fossem pedir desculpas ao Luizinho, quando minha vó disse:Porque, o que foi que você fez para aquele menino, eu repeti a historia, totalmente possesso e ao final ela desmentiu, ela não tinha feito nada daquilo, que tudo foi mentira minha, ate sua morte, 7 anos depois, ela contava esta historia invertida, dizendo que fui o melhor feitor que ela já teve, apenas eu e Luizinho,sabemos a verdade.

Cesão
Enviado por Cesão em 18/07/2012
Reeditado em 18/07/2012
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