AVÔ TENTA MATAR SEU NETO BEBÊ NUM FOMIGEUIRO(1ª PARTE)
Após um dia de trabalho instigante, o velho Joaquim descansava o esqueleto espichado num banco bem ao pé do fogão, apreciando a brisa que entrava pela porta tocava de leve seu rosto, deslizava em seu corpo circulando dentro da cozinha avivando o fogo que crepitava cozendo o feijão a ser consumido no dia seguinte. Do lado oposto ao fogão encostada à parede ficava a mesa da cozinha. Sobre ela o bule de café, uma tigela contendo meia dúzia de canequinhas esmaltadas submersas no seu conteúdo d’água. Um belo conjunto esmaltado, cor de ovo de inhambu, decorado com um raminho de anis verdinho, uma lindeza de peças. Na ultima trempe da chapa do fogão, uma caçarola coberta com uma tampa de braza deixava escapar o delicioso cheiro do bolo de fubá, que assava, para o desjejum da manhã seguinte. No canto da parede ao lado da porta, uma cantoneira, de duas partes, forrada por guardanapos bordados a mão, sobre os quais, na parte superior, um pote de barro com água pura e cristalina. Na parte inferior um ferro de passar aquecido a braza, ainda fumegante, descansava sobre uma lata de marmelada vazia. Na mesa da sala, Margarida aproveitando o resto da claridade que vinda do poente, ensinava as primeiras letras ao seu vulgo irmãozinho, o curioso Tavinho, ele ajoelhado em cima de um tamborete para alcançar a mesa donde estava seu caderno, ela de pé em suas costas o entrelaçando nos braços com muito carinho. Ele acabara de completar seis anos de idade, e pelo regulamento só no ano seguinte poderia freqüentar a escola do pequeno lugarejo próximo ao sitio do velho Joaquim. Mas o desejo de aprender a ler e escrever do guri fez com que seu padrinho comprasse o material e Margarida o ensinasse antecipando seu aprendizado.
Terminada a tarefa, com caderno e lápis não ele desceu os dois degraus que dava para a cozinha e foi contente mostrar seu trabalhinho ao seu Joaquim, mas o cansaço o havia adormecido. Não querendo perturbá-lo ele voltou à sala puxou a gaveta da mesa sutilmente e o guardou, cochichando com a irmã; -- ele dormiu! Ela fechou portas e janelas, acendeu a lamparina apanhou seu diário e se pôs escrever ali mesmo no pé do fogão usando como suporte uma pequena prancheta. —O que você escreve todo dia? Pergunta o pequeno: - meu diário! –Diário que isso? – Como que vou te explicar, são palavras que você não vai entender-, vamos combinar mais tarde quando você crescer, eu te conto como funciona combinado? - Ocê ta pareceno padrim Joaquim-, quando cê crecê te conto tudo!
Amanhã na hora queu fô levá a bóia pra ele La no roçado ele tem de me contá quem foi meu pai minha mãe! Ocê deve de sabê é mais veia qui ieu! -- Olha Tavinho ele já disse que na hora certa vai te dizer tudinho, custa você esperar? Saiba que ele foi um anjo em nossas vidas! – Ta bão... Mais eu vô preguntá, sele num quizé contá num mim conta!
No dia seguinte quando Tavinho se levantou o velho já banhava de suor, carpindo seu arrozal a margem do rio. Sua lavoura estava uma maravilha quando a brisa soprava com mais intensidade formava-se belas ondas aneladas nas fileiras verdejantes de sua plantação. O Rio caudaloso parecia nivelado com a planície da várzea com as paralelas de seus barrancos cobertas pela água que avançava numa ânsia de mar, o capim nas laterais dava a impressão de cabeleiras submersas via-se só as pontinhas flutuando na tona da água que marejando avançavam fora do seu leito.
Tavinho chegou assobiando levando o almoço. A pouco aprendera a assobiar e vestiu sua primeira calça comprida estava se achando feliz da vida. O tempero exalado da comida era convidativo, numa gamela de pau, tampada por um prato com a mesma decoração do bule, embrulhada por um pano alvejado de uma brancura sem par amarrado pelas quatro pontas. Isso demonstrava o carinho da jovem Margarida ao seu velho guardião.
– Sua bença padrim - Deus o abençoa fiio! Drumiu bem? – Nem vi o sinhô vim pu sirviço padrim! — Pois é fiio seu padrim tumem drumiu naquele banco duro, quando foi pa cama já era madrugada. Mais agora vamu cumê qui saco vazio num para impe! Cê veio cumê cumigo? – Não já cumi esse é só pu sinhô! Enquanto o velho se fartava naquela deliciosa refeição, o garoto brincava atirando pedaços de madeira rasteiros que repicavam ricocheteando sobre a tona da água no leito rio quase atingindo a outra margem. Terminada a refeição seu Joaquim ajeitou caprichosamente o vasilhame o entregando ao garoto que logo se manifestou o desejo em permanecer com ele. -- Vorta pra casa, ocê isqueceu quié cumpania de Margarida?- Ah mais ieu quiria tanto ficá, sinhô prometeu de mi contá quem foi meu pai minha mãe! -- Oia fiio um dia cê vai sabê de tudo, vô ti conta tintim pur tintim.
Mais pra mata sua curosidade, vô conta ocê um causo qui foi assucidido, cum coroné qui mandô butar o neto dele um bebê no memo dia qui nasceu dentro dum furmiguero mode as fumiga mata ele! -- Cruiz padrim mais tivero corage de fazê isso?- Tivero sim fiio, ah cumo tivero! Foi anssim a fiia dum coroné se apaxonô pu fiio do Carrero da fazenda, ma cumo era pobre, o coroné pruibiu o namoro. Intonse os dois fugiro, num pensaro na brabesa do home. Pois nadivê quel butô jagunço mode percurà. Ieu num gosto nem de alembrá o dia qui chegaro na fazenda cus dois marrados pas mão no rabo dos cavalos dava inté dó, tudo chujo de suor misturado cu pó da istrada. Marraro o moço no istêio Du curral, a moça levaro pra casa trancaro ela num quarto o coroné pindurô a chave na cintura, levava cumê prela igua trata de porco. —E o moço padrim qui fizero cuele?- Íh coitado butaro ele atrais da grade, coroné qui mandava naquela peste de cidade! Dispois apareceu o coitado morto dispindurado nua corda novinha, contaro quel suicidô, cumo quele ia arranja ua corda nova se tava preso, mataro o coitado e dero essa discurpa! E o marvado do coroné tirô a fia do castigo e féis ela acumpanhá ele pu cimintéro, dispois torno prendê ela. A mãe dela num fazia outra coisa a nuncê chora dia e noite. Inté qui paraceu na fazenda um veio, irmão do coroné. Imbrabeceu de mais da conta cuele, e fêis ele dexá a mãe dá de cumê direito pa fia. Mais sai do castigo saiu não! A dispois quando ele discubriu Ca fia isparava um Bebê foi cu home virô foi o diabo. Falô qui o dia cu bebê nascesse ia matá os dois.
Sabe Tavinho aqueze furmiguerão grandão cus montão de terra? – Sei padrim a Margadida inté busca terra mode barriá o chão mais o fugão da nossa casa. Quando nois mexe nele pa tirá terra sai aquez furmigona Ca truqez aberta quereno picá tudo. – Pois é, anssim cu bebê nasceu coroné mandô um jagunço armado cum a carabina cumpanha a partera levano o coitadim La pu cerrado o jangunço mexeu o furmiguero inté ele ficá pareceno cum bataião de sordado pronto mode guirriá, e obrigô a muié ponhá um cubertô inrriba i o bebê pelado no cubertô. Foi tão triste qui nem o jagunço custumado mata gente se guentô ficá La zoiano! – vigi padrim tadim do minininho cruiz meu Deus Du céu num pareceu ninguém mode sarvá o coitadim?-Ah mais pareceu sim -, a vò do minino tava iscundida no mato, foi só u jagunço saí, ela correu tirô ele, deu sorte qui niuma furmiga mordeu ele, pareceu inté milagre. Ela arrumô um leitão murrido nu lugá, travessô no mei do cerrado foi direto pa casa do Carrero qui tinha saído ispursado pa morá na fazenda dum coroné vizinho, esse era um home bão qui dexô o Carrero mora na fazenda dele.
Bão mais vamo para puraqui a dispois ieu te conto o resto agora ocê vai simbora sinão seu padrim numa caba esse sirviçu! Ta bão padrim mais logo quero sabê do resto! – logo não, amanhã! Socê num falá nada pra Margarida! – Mais pru quê ela num pode sabê? – Pode... Mais nun contano ela agora, ieu vô vê ocê conta pamode sabê se vai cê bão contadô de causo anssim qui nem ieu! -Tavinho cruzou os dois dedinhos indicadores nos lábios cerrados em sinal de segredo e voltou a casa, desta vez em silencio. O causo mexeu com seu imaginário e o fez esquecer o incessante assobio.
Na manhã seguinte quando o sol penetrando pelas frestas do telhado inundou de luz a residência do velho Joaquim, o café já estava à mesa um bolo de fubá fumegava numa bandeja espalhava seu delicioso cheiro pela casa. Tavinho saltou da cama foi direto ao curral, com um copo de lata na mão, mas a vaquinha mimosa já ia longe pasto a fora, acompanha pelo bezerrinho, Margarida já havia colocado uma vasilha com o leite espumante, que ela mesma ordenhara, sobre a tampa da cisterna e acabava de regar a horta de couves.
- Não levanta sedo, agora não tem mais leite no peito da vaca, seu dorminhoco! - Errei a hora, fiquei pensando muito e perdi o sono!- pensando no que, fez algum negocio importante ou já arrumou namoradinha La pas banda do cruzeiro? – Nada disso tava memo pensando cumo será quera minha mamãe será quera bunita assim quinem ocê?- Ocê me acha bunita? - Ieu acho --, mais é pu dimais!- Brigada muleque vem cá deixe de dar um abraço fais de conta que sou sua mãe! - Vigi que bão qui ia cê se fosse! – vamo pra dentro ta na hora de ocê tomá seu café, e nois da mais um arranco na escrita de onte à noite, antes do armoço, trais o balde de leite pra dento, mais sem derremá, to cas mão ocupada cum as verdura.
Ansioso Tavinho não via a hora de estar com o velho Joaquim no horário do almoço. As horas até ele chegar ao trabalho de seu padrinho foram uma eternidade. Em fim chegou o tão esperado momento. Seu Joaquim percebendo a ansiedade do garoto se fez de indiferente, e não tocou no assunto – Agora fio cê vorta pra casa, fala ca Margarida pra num isquecê de buta sal no cocho na hora de apartá a mimosa, onte eu butei o saco de sal La no paiol, mais isquici, num contei ela. – Ta bão padrim mais prinero o resto do causo do bebê! Cê num isqueceu disso não fio? – Quais num drumi de noite inté sonhei cum a coitada da mãe dele. - Donde foi qui ieu parei memo? – Sinhô parô na hora Ca muié ia levano o minino pra casa do Carrero qui tumem era avô!
Bão intonse a muié chegô na casa do avô do bebê, a muié dele tava duente pur casa da paxão mode o fio dela qui coroné mandô buta na cadeia e ele cabô morreno cunrfome já cuntei. Ela ficô tão filiz qui inté se levantô da cama e tratô logo de fazê um chá de funcho pu minininho mamá coitadim tava qui dava dó de tanta fome. A outra vó vortô dipressa pra casa, mode o coroné num da farta dela. A fia dela tava in pranto chorano , quando a mãe cuntô prela u qui tinha acabado de fazê, ela ajueiô cas mão posta e rezou muito, chorano mais gradeceno a Deus mode ele tê sarvado seu bebê. Passado um a semana mais omeno coroné intrô La no quarto donde a fia tava presa cum a mala de ropa dela na mão e um imbrui cum mucado de conto de réis dentro, e falô prela:- - ta aqui sua mala de ropa, e esses cobre é mode cê compra um luga pa morá, donde ieu nunca fica sabeno, ieu ia ti matá, mais sua falô se ieu nu ti desse os cobre e matasse ocê, ia se suicida, intonse cumo ieu num vivo sem ela vô dexá cê sumi no mundo. Primero, Zé cavera vai levá ocê no furmiguero donde sua cria ta mode cê dispidi dele, as dispois de ocê dá adeus pa sua mãe, num vorta nunca mais! Se vortá vai cê marrada sem ropa e morrê igua sua cria no memo fumiguero.
- E dispois padrim? – O jagunço Zé Cavera levô ela La no furmiguero?--Levô tava La os retaios de cubertô tudo picado de furmiga manchado de sangue de leitão, os ôsso isparramado. Cavera num quis vê não, num teve coraje. Voltaro a casa, a mãe aconseiô ela passá na casa do Carrero mode cunhecê o fiinho dela, quando chegô lá. Ela chorô dimais da conta de num podê fica cu ele e prometeu pu Carrero mais a muié qui ia arranjá um lugá donde o coronè nunca ia. E cus seus contos de réis cumpra um sitio dispois busca eze pra morá cuela. Pu que se coroné discubrice a fracatrua matava todo mundo. Intonse ela cumpriu a pumessa qui tinha feito mais quando vortô as iscundida do coroné, a muié do Carrero tinha era murrido de tanta paxão. Ele tava cuidano do bebê suzim, mais tinha batizado o bebê eze seno os padrim. Ela levô eze pra morá os treis junto, pertim dum puvuado donde os treis mora filiz da vida!
– Escuta padrim vô priguntá um a coisa, puracaso esse minino num é ieu não? –Ah que isso Tavinho qui idéia essa?-- Tô muito discunfiado quesse causo seu--, to achano quesse muliquim é ieu! Isso é causo ô é história cunticida de verdade? É muito paricido fio, muito paracido memo! Quais iguá; um dia cê vai sabê da sua qui é pirtim dessa daí!