Notícia de lugar nenhum

Foi, me lembro, nos anos 50, o Assis Chateaubriand teve aqui junto com aquele escritor de Minas, Rosa - os dois saíram da praça até o aeroporto vestidos de boiadeiro, na frente de um monte de cavaleiros, para receber o presidente Getúlio Vargas e o governador Régis Pacheco. Getúlio ganhou a medalha da Ordem do Vaqueiro.

Taí, o fato se deu em Caldas do Cipó, Bahia, mais exatamente a 24 de junho de 1952. E o avião DC-3 que levou Vargas aterrissou, de fato, numa pista improvisada, poeirenta, de terra batida, cercada de cajueiros e mandacarus.

João Guimarães Rosa, é vero, estava lá - depois da jornada a cavalo pelos sertões de Minas que inspirou Grande Sertão Veredas.

-- Em Caldas do Cipó, escreveu ele, pude ver reunidos - espetáculo inédito, nos anais sertanejos e creio mesmo em qualquer parte – cerca de 600 vaqueiros autênticos dos “encourados” : chapéu, guarda-peito, jaleco, gibão, calças, polainas, tudo de couro, couro de veado-mateiro, cor de suçuarana. Fui com Assis Chateaubriand, que é o rei dos entusiastas, e tive de vestir também o uniforme de couro e montar cavalo (num esplêndido cavalo paraibano), formando na “guarda vaqueira” que foi ao campo de aviação receber o presidente Getulio Vargas. A mim coube “comandar” os vaqueiros de Soure (Nova Saoure, cidade vizinha) e de Cipó.

É, e teve também o vice-presidente, o, o, Café Filho, ministros, governadores, tudo ficou lá no Hotel Caldas, em 80 quartos de luxo.

-- Eu tinha dez anos – diz Maria José dos Reis, a Menininha, dona de uma sorveteria na Praça das Águas (de cascatas artificiais) – era magrinha, parecia um belisco. Todas nós, estudantes de camisa de algodão branca de botão e sainha plissada azul-marinho, estávamos em fila, esperando o presidente, que chegou andando no meio do povo, ao lado dos cavaleiros e das charretes. Me arrepio só de falar, olha.”

Caldas do Cipó fica às margens do rio Itapicuru, lá tem cassino e águas sulfurosas radiativas que curam até leprosos. Do lado do cassino fica o outro hotel, o Radium, com árvores crecendo pelas paredes. Da capital baiana Salvador até lá são 242 quilômetros. O município fica depois de Paulo Afonso, onde tem a usina.

-- A água só não é boa para quem tem doença do coração e para mulher grávida, que perde o neném – diz a dona de casa Ilmar Góes.

Em Caldas se come bode e aipim – e as águas têm cálcio, magnésio, lítio...

“Combatem fraqueza genital”

Na revista O Cruzeiro, Odorico Tavares narrou a festança com Getúlio em sete páginas.

E o Grande Hotel continua, o ACM reinaugurou ele na década de 80 com piano de cauda e tudo.

É, tudo, agora da prefeitura e cinco andares trancados a chave.

-- Ao longo dos anos – diz o professor Evandro de Araújo Goes – maus cipoenses foram roubando lustres, mobília. A suite presidencial, onde dormiu Getúlio Vargas, foi inteiramente depredada.

Não sobrou nada da suíte, nem mesmo os vasos sanitários.

E no aeroporto não desce mais avião.

Esta história é baseada na reportagem Notícias de lugar nenhum, de Cynara Menezes, publicada pela revista Carta Capital, Ano XVI, número 644, RS$ 8,90, de 4 de maio de 2011, seção País, págs. 30/31.

Zulcy Borges
Enviado por Zulcy Borges em 07/07/2012
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