A Fera

A Fera

Muitos já morrem injustamente! Mas desta vez sou eu!
Vocês querem saber meu nome ou apelido?
Agora mais tranqüilo, com mais tempo, posso até dizer os dois, tempo é o que mais tenho!
Meu nome é Manoel da Motta Coqueiro, conhecido também como a fera de Macabú, como se eu fosse feroz. Poderiam ter me chamar de muitas coisas, menos de feroz, mas fazer o que!
Eu não deveria ter fugido... Sabia quem matou! Mas de que adiantaria, não acreditariam em mim...
Fui vítima de meus adversários políticos que para me levar a queda fariam qualquer coisa. Lembro-me como se fosse hoje... Aqueles oito colonos mortos num sábado chuvoso, setembro de 1852, quando os ditos capangas, por mim mandado, invadiram a simples casa da família.
Pretensão, eles dizem que matei, mandei matar, tanto faz, a família de Francisco Benedito, com o qual eu dividia os lucros da colheita. Assassinados dentro das minhas terras.
Não adiantou dizer que não fui eu, em tudo aqueles malditos políticos, e os jornais então... davam um jeito de descaracterizar as minhas justificativas.
Meu pecado foi ter me deitado e engravido Francisca, filha mais velha de Francisco Benedito. Sabe como é! Quando ele soube do acontecido, a coisa complicou. Eu tentei recompensá-lo, mas ele não aceitou. Julgaram-me sem provas e sem confissão. O júri decidiu o rumo do meu calvário no dia 19 de janeiro de 1853.
Havia sido julgado duas vezes, duas falsas vezes, duas humilhantes vezes...
Consola-me hoje saber que depois da injusta execução, esse erro grosseiro, o Imperador que me negou poupou, após a minha morte, a vida de muitos condenados como eu, inocentes.
Vila de Macabú, aquela minha escrava, a Balbina deveria ser a suspeita principal, mas não, fizeram dela a principal testemunha de acusação, e o acusado...
Eu. Em um tempo em que testemunho de escravo contra seus senhores era proibido. Não teve jeito quantas clemências pedi, quantas juras, quantas preces, nada adiantou.
Aquele padre veio escutar minha confissão, meu único pecado era ocultar o nome do verdadeiro, e a Deus confessei. Nunca esquecerei o nascimento da minha morte, seis de março de mil oitocentos e cinqüenta e cinco, duas horas da tarde.
Perguntaram-me minhas últimas vontades, eu estava apavorado, não consegui quase falar... Que medo da morte, que medo da dor... Mas ainda consegui gritar minha inocência, mais uma vez.
Macahé, o local da execução, aquele patíbulo era o palco da minha desgraça, do meu último suspiro, veio gente de toda parte, só pra ver meu sofrimento, minha dor.
Ainda tenho tempo de lançar minha maldição...
Esta cidade vai amargar cem anos de atraso pelo que fez...
O carrasco e biscateiro de nome Pareça estava pronto para fazer o seu imundo trabalho...
Eu escutei o som da morte, meu corpo caiu e começou a balançar de um lado para o outro... Eu ainda estava vivo! Meu pescoço não havia quebrado. Após alguns segundos senti algo em meus ombros, eram os pés do o macabro algoz, que lançou todo seu peso em cima de meu corpo, até que escutei o último som de minha vida... Um forte estalo, meus ossos se partindo, meu corpo morrendo e minha alma nascendo.
Hoje dizem que o atraso que a região sofreu, foi mera obra do acaso! Mas eu sei que não! Vejam só, cem anos... Cem anos se passaram exatamente, e nem mais um instante, e em 1955 a Petrobrás começou as suas pesquisas que, vinte anos mais tarde encontraria, não só a riqueza da região, bem como do Rio.
Foi ali naquele mesmo mar que assistiu minha agonia, onde vinte anos depois de iniciadas as pesquisas foram encontradas as maiores bacias de petróleo do Brasil, a bacia de Campos.
Marcos Pestana
Enviado por Marcos Pestana em 28/06/2012
Reeditado em 12/09/2013
Código do texto: T3749480
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