Cu-Sujo

Todo mundo vem de algum lugar. Ramon vinha de Varginha, e odiava a tal história do E.T. Todo mundo tem uma coisa que quer esquecer, do tipo que se envergonha. Ramon tinha sido flagrado por três (bons) amigos comendo o cu de um porco. Ele tinha quinze anos, e não foi poupado. Ainda não tinham inventado o Bullying. Os bons tempos dos mais fortes zuando os mais fracos indiscriminadamente. Daquele dia em diante ficou conhecido como o Cu-sujo.

Mateus, Paulinho e Thiago foram os contadores da história e criadores do apelido. Estavam todos num acampamento da escola, e num perdido para fumar um cigarro viram a cena bizonha. Ramon caiu sentado na lama do chiqueiro quando percebeu a presença deles. Então ao levantar apareceu o Cu-Sujo. Tem também o duplo sentido. Seu primeiro impulso foi fugir. Saiu correndo pelo camping e levou a noite inteira para ser encontrado pelos professores. Ele se escondeu num canto do curral abandonado. Isso gerou ainda mais comentários humilhantes sobre ele.

Para Ramon o colegial passou lento e dolorosamente. A todo momento na escola era lembrado do que estava fazendo naquela furtiva noite de verão no acampamento. No começo alguns professores tentaram conter o ímpeto da estupidez juvenil. Puniam de alguma forma qualquer um que se dirigisse a Ramon como Cu-Sujo. Mas não surtia efeito. Ele não reagia. Se entregou. Acabou por se tornar passivo com relação a sua situação. Parecia que ele tinha aceitado sem lutar aquele linchamento moral publico. O rótulo de “o estranho”. Se isolou. Comprimir toda angustia e vergonha dentro do estômago e tentar esquecer. Nunca funcionou. Não era só Ramon que se envergonhava. Pai, mãe, irmã e irmão sempre era lembrados do parentesco Cu-Sujo, que acabou por se tornar o segundo nome de toda família. Seu pai e sua irmã mais velha passaram a rejeitá-lo. Os outros eram indiferentes.

Aos dezoito anos foi recrutado para o quartel. Não conseguiu esconder o passado sujo nem por um dia (cidade pequena é uma droga!). Foi motivo de chacota até pelos generais. A humilhação continuava a lhe perseguir por onde fosse. Mais ou menos neste tempo que aquele sentimento acumulado no fundo do estômago chegou ao seu limite, e começou a querer sair de todas as formas. Independente da força ele apontava em três direções. Toda a zuação, todos os constrangimentos, toda uma vida contraída, era culpa de três pessoas. Não importava quem, sempre que era chamado de Cu-Sujo os mesmos três rostos vinham a sua cabeça.

No exército ele foi muito além da disciplina e obediência. Aprendeu a planejar, a entrar e sair. Aprendeu a “dar o troco”. Aprendeu que para toda ação há uma reação proporcional, e preferencialmente maior. Aguda. Agora o Cu-sujo tinha vinte anos, um corpo atlético, e o mais importante, sabia matar. Mais do que isso. Não tinha medo de matar. Queria matar. Mateus, Paulinho e Thiago. Como não poderia deixar de ser o sentimento de vingança ia crescendo no estômago de Ramon, até a cabeça.

Com os três amarrados no porta-malas do Rabecão roubado da funerária, Cu-Sujo saiu da cidade na direção do chiqueiro. A sua espera estava Odélia, o velho porco. O carro entrou no meio do chiqueiro. Ramon desceu, abriu o porta-malas e jogou os três na lama. Eles tinham as mãos e pés amarrados, e uma maçã na boca. Então ele abaixou as calças e começou a fuder o cu de Odélia. Mateus, Paulinho e Thiago estavam estáticos. Não entendiam nada. Ele ria alto e fodia o porco com força. Depois de consumado o ato ele levantou as calças e deu um tiro na cabeça de cada um. O porco, como é de sua natureza, foi comer, literalmente, os mortos. Cu-Sujo tinha seu orgulho restaurado. Voltou para o carro, ligou uma mangueira no cano de descarga e colocou a outra ponta para dentro pelo vidro traseiro. Ligou o rádio e ficou esperando a morte chegar ao som de Gloomy Sunday, do húngaro Rezsõ Seress.