O HERÓI E O BANDIDO (OU O BANDIDO E O HERÓI)

THAÍS FALLEIROS 28-05-2012

Barracas de uma feira ambulante, pessoas, carros, um cachorro, uma criança brincando na calçada, uma velha com sacola pesada. Ia ele correndo e desviando dos obstáculos, não sabendo muito bem para onde ir. Lembrando-se da história, somente alguns pedaços. Lapsos e relapsos. E os obstáculos iam sendo passados.

Entrou num beco, numa rua sem saída, ou algo do tipo. Um lugar desconhecido. E num de repente ele encontrou ele. O bandido encontrou o herói (ou o herói encontrou o bandido). Encararam-se por segundos ou por uns longos minutos. Ninguém sabe ao certo o tempo correto. Mas sei que o homem, de terno e gravata e flores amassadas nas mãos, suava tanto quanto o maltrapilho de chinelos e regata, e na mão uma maçã vermelha e vistosa.

Havia, porém algo incomum além do suor. Aqueles dois seres de mundos tão opostos que agora se encontravam por ironia do destino, numa situação tão constrangedora, tinham o mesmo brilho no olhar de um herói, tinham a mesma culpa na alma de um bandido.

Era manhã, sexta-feira, fim de mês. O homem rebuscado no vestir havia finalmente tomado coragem. Acordou naquela manhã com a certeza de que não poderia continuar naquela situação. Estava decidido a ser feliz. Um herói!

O maltrapilho com calos nos dedos acordou, naquela madrugada, com um vazio no estomago, amarelado, ouvindo o choro que vinha do quarto ao lado. Teve a certeza de que não poderia continuar naquela situação. Estava decidido a ser feliz. Um bandido!

Ele se arrumou, colocou seu melhor terno para a reunião que viria logo mais ao meio dia. Passou na floricultura, comprou flores e um cartão que dizia: “Foi bom enquanto durou, mas a luz do amor em meu coração já não mais brilha”. Era um bandido!

Ele colocou a roupa amassada, deu um beijo na mulher e nos três filhos e antes do sol aparecer no horizonte e testemunhar seu feito, saiu de vagar e em silêncio. Apenas deixou sobre a mesa rachada um bilhete que dizia: “Voltarei com boas notícias, família”. Era um herói!

Foi então que ele e ele começaram cada qual o seu dia. O rico rapaz que enfim havia percebido a vida pobre que vivia. O pobre quase mendigo que sem emprego e quase agora sem abrigo, estava decidido a dar a sua família uma vida mais digna.

Ele encontrou sua namorada, noiva e quase casada, antes mesmo do expediente começar e nada saiu como o previsto. Já com as flores nas mãos teve que improvisar. Antes mesmo de deixa-la ler o cartão foi logo, com toda sinceridade e com um aperto no coração, vomitando todos seus sentimentos, arrependimentos, todas suas desilusões.

Ele, depois de muito andar, com os pés estourados, doendo, com calos nos dedos, sabendo que não haveria emprego que resolvesse sua falta de dinheiro de modo tão ligeiro, sentindo-se tão inútil, incapacitado e com uma vergonha terrível de pedir na rua e talvez ser visto como indigente, viu em sua frente, uma feira ambulante. Mas antes dele ver a tal feira ambulante, o seu estomago já tinha percebido. Talvez pelo cheiro, talvez pelo ouvido. E enquanto os feirantes gritavam para atrair clientela, ele, o estomago, gritava de fome ao ver uma berinjela. O Maltrapilho diminuiu os passos, respirou fundo, tentou calar a com as mãos, a boca do estomago. Ele não era um bandido, mas a mente e a barriga tornavam-se seus inimigos.

Ela, a namorada, noiva e quase casada, à principio não entendeu nada. Ele então de forma desajeitada e desesperada, explicou-lhe que apenas queria ser feliz e que há muito tempo ela não era sua amada.

Ele não tinha culpa dos sentimentos do coração. Vivia de aparências, e não mais estava disposto a mentir para si mesmo, para ela e para a sociedade. Tentou explicar, pegou-a nas mãos que tremiam e que estavam agora, apesar do calor que fazia lá fora, geladas. E depois de soltar tudo que lhe pesara a alma, depois de desabafar ele sentiu-se como nunca na vida, nem quando conseguiu o emprego tão desejado, um herói.

E ele, como um herói, lutou, guerreou contra os malvados vilões e foi quando a mente, cruelmente lhe enviou à lembrança o choro de criança que neste momento deveria estar acontecendo em sua casa. Foi quando pela primeira vez o mal venceu o bem. Não poderia deixar a fome levar a vida de seu neném. E foi quando então, como um bandido ele se comportou. A primeira fruta que ele viu, ele roubou.

Ela, a namorada, noiva e quase casada gritava histérica e mal amada: “Seu marginal, bandido, sem coração. Me enrolou por cinco anos para só agora dizer que nunca me amou”. E ele que não tinha dito exatamente aquilo, tentou mais uma vez explicar, mas sabe como são as mulheres, adoram pegar uma frase mal dita e a reinterpretar. Pegou o ramalhete de flores do velório do amor e jogou sobre o resto do coitado. Ele tentou evitar, mas mulher brava é pior que tigre “brabo”. E depois de tantos espinhos lhe acertarem, não restara nenhuma opção. Ele correu.

Ele também correu. Correu, correu, correu o quanto pôde. Só ouvia lá adiante: “Pega ladrão”. Desviou de tudo o que encontrou. Barracas da feira ambulante, pessoas, carros, um cachorro, uma criança brincando na calçada, uma velha com sacola pesada.

Ele correu, correu, correu.

Ele correu, correu, correu.

Até que encontrou uma rua mal iluminada, um beco, uma rua sem saída ou algo do tipo. Um herói que era um bandido e o bandido que era um herói. Mas acho que eles nem conversaram. Depois do longo olhar e do mesmo suor, ambos seguiram seus caminhos. Nunca nenhum desconfiou do intrigante encontro que o destino reservou.

Ele era tão amado. Ele era tão mal amado. E ele era tão rico. Ele era tão pobre. Ele era um herói. Ele era um bandido. Quem sabe se tivessem conversado, um ao outro pudesse ter ajudado. Mas isso são coisas que não acontecem hoje em dia. Cada um seguiu seu caminho. E para o fim dessa história, não encontrei nenhuma rima.

Thaís Falleiros
Enviado por Thaís Falleiros em 06/06/2012
Reeditado em 24/10/2012
Código do texto: T3709545
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