Há outro lugar, eu sei.

Deitado naquele leito de hospital notei em sua face, a vontade de reviver o passado. Instiguei-me, e imediatamente sentei na cabeceira de sua cama. Fiquei a contemplá-lo. Perdi algum tempo observando à suavidade de seu falar, a brancura de seus cabelos, as rugas de seu rosto, e seus olhos pequenos que ficavam a me olhar.

Questionado sobre quantos filhos possuía, pude entender que a maior herança de um pai, é sua prole. O modo como se referia a cada um, fez com que meu coração deleitasse naquelas palavras, navegando prontamente como uma brisa ao encontro de sua lembrança. Ao falar da perda de dois de seus amados filhos, enchi meus olhos de lágrima e notei que uma parte do seu coração está enterrada com eles.

Registros de sua memória não falharam um segundo. A risca com que contava cada detalhe, como lembrava cada nome, me fez ficar perplexa. Todas as palavras saídas de sua boca entusiasmavam-me cada vez mais.

De repente lembrou-se de quando era guri. De sua terna juventude. Aquela na qual ele dissera ter muitos amigos, sendo um deles: gago. O modo como se referia a esse amigo, e o modo como o imitava, fez cair-me em afáveis gargalhadas. Adiante, advertiu a si próprio como sendo namorador, e ter conquistado várias meninas; mas ressaltou: - Meu coração era de uma só!

Lembrou também, que havia muitos bailes. E todos eles eram como se fosse uma corte. Reis, Rainhas, Princípes, Princesas, Cavalheiros e Damas, todos eles podiam ser vistos nesse mesmo lugar. Não obstante, atentou-me com um olhar dilacerado e se pôs a dizer irritado, como os bailes de hoje são depravados. Continuou: - Antigamente, as mulheres vestiam roupas lindas, onde nada mostravam. O seu encanto e beleza estavam em sua ternura, no modo como se portavam e de que como eram reservadas. Prontamente sorri, e quis fazer parte de tudo aquilo. Alguns segundos depois, lamentei-me por tudo ter acabado.

Instantaneamente mudou de assunto. Fez transparecer a criança que ainda vive nele. Proferiu: - As brincadeiras que fazíamos, eram todas produzidas por nós. Nada havia de tecnologia, tudo era feito à mão. Sorriu, parou, prosseguiu: - Havia um porão onde a criançada se reunia, e lá saiam grandes idéias, e fazíamos grandes amigos. Não, não! Não existia briga não, falou ele célere. O amor que sentíamos um pelo outro, apagava qualquer diferença; era lindo de se ver.

Cheio de lágrimas nos olhos, entendi a dor que sentia. Era como se sua vida hoje em dia não tivesse mais graça. Como se pedisse para Deus levá-lo de encontro a ele. Como se a única esperança fosse encontrar tudo aquilo em suas meras lembranças ou nos seus mais perfeitos sonhos.

Cansado de tanto falar, fechou seus olhos. Queria ele sonhar com tudo o que tinha contado? Creio que sim. Apressadamente deitei-me ao seu lado, encostei a cabeça em seu ombro, abracei-o e implorei a Deus que me transportasse aos mesmos sonhos. Não queria mais eu sair dali, pois era como se eu precisasse, lutasse e agarrasse com todas as minhas forças para trazer os valores de antigamente, ao mundo real.

Entendi depois, que ali, naquele quarto de hospital, não quis passar a mão na cabeça do passado, ou dizer que não possuía males. Pelo contrário, quis demonstrar que um dia Deus trouxe o céu para a terra, e não teremos mais essa oportunidade, pois nós mesmos o destruímos com nossas próprias mãos.

...Mundo cruel esse.

Todavia eu sei que, haverá um dia, que existirá um lugar assim; real também, porém mais belo do que todo esse relato. Neste lugar, e, não haverá morte, nem pranto, nem choro; nem tristeza e muito menos dor. Somente haverá, alegria e paz. E, encontraremos com Ele, face a face. E veremos como ele é.

Estou esperando ansiosa por esse dia, e sei...

...que ele Já está por chegar!

Ingrid Schalenberger
Enviado por Ingrid Schalenberger em 06/06/2012
Código do texto: T3708492
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