MERENDA
O sol ainda não dava seu sorriso quando ela acordou. Estava um tanto aflita e pensava o que daria para seus dois filhos, um de cinco e outro de dois anos, comerem no almoço. Pensava na hora do meio dia porque sabia que seus meninos já estavam acostumados a passar as manhãs em jejum, mesmo o mais novo, muitas vezes, reclamar de fome e o mais velhos pedir um pão que fosse.
O marido saíra por volta das três e meia da manhã para o serviço. Trabalhava em porto de areia carregando caminhão grande para receber um salário mínimo. Bebia uma cachaça, isso era verdade, e talvez isso complicasse um pouco mais a situação financeira da família.
Ela lavava, no punho enquanto ouvia Eli Corrêa pelo radinho AM, uma camiseta verde já desbotada em um tanque improvisado. Camiseta essa do seu filho mais velho, quando este apareceu pela porta da cozinha pisando descalço no chão de terra batida esfregando um dos olhos e dizendo que estava com fome. Ela fingiu, com muita dor no peito, não ter ouvido nada e o mandou entrar e colocar um chinelo.
Era ainda dez horas da manhã quando ela pegou uma tapuer, uma que não fosse muito transparente, e disse para o mais velho que logo voltaria e que era para ele e o irmão ficarem dentro de casa e não deixar ninguém estranho entrar. O mais novo ficou chorando com sua barriga saliente pela metade por uma blusinha cinza já de tamanho perdido enquanto o irmão tentava convencê-lo a parar com o choro.
Ela desceu a rua e foi até a escola pública, na entrada do bairro. Chegou de vagar, olhando para todos os lados como se esperasse que alguém a repreendesse por estar ali. Uma professora com avental azulado apareceu e a olhou e logo em seguida viu a vasilha em sua mão. A professora ia ao banheiro, no entanto, já sabendo do que se tratava e com um semblante de pena, perguntou àquela senhora de chinelo, pés sujos e parte da roupa molhada, se ela já fora atendia e abriu o portão para que ela pudesse entrar e ir até a cozinha.
Ela foi.
Naquele dia, foi dado aos alunos sopa de letrinhas e a merendeira encheu a tapuer até a boca. Fechou a vasilha e entregou àquela senhora que, parada diante da porta da cozinha da escola, parecia sentir vergonha e gratidão.
Sentiu o calor da sopa nas mãos, agradeceu e saiu com um quase sutil sorriso no rosto. Antes de atravessar a rua, notou que um grupo de mulheres no ponto de ônibus a olhava e cochichava, mas não deu importância. Quando subia a rua, escutou uma menina maldosa dizer qualquer coisa a respeito da comida da escola, sentiu um vazio no peito e uma vergonha acompanhada de dor, mas logo se lembrou de seus meninos e, feliz, subiu mais apressada dizendo a si mesma que não estava fazendo nada de errado. Vergonha era matar ou roubar.
Chegou em casa e encontrou o caçula com o rosto manchado pelas lágrimas, mas logo o garoto parou com o choro e sua mãe o colocou no colo para dar a sopinha. O outro segurava um prato de plástico sobre os joelhos e estava agachado perto da televisão enquanto levava colheradas para dentro da boca bem aberta na tentativa de não derramar nada – para não apanhar.
Ela guardou um pouco da sopa. Ia mais tarde à casa da Neuza para lavar e passar algumas roupas em troca de alguns trocados e pensava se iria ou não ao mercadinho pedir, fiado, alguns pés de galinha para servir de mistura na janta.