AI! COMO DOI, FOI CHIFRE

O ser humano é muito frágil, principalmente quando se trata de coisas do coração, de um amor perdido que nos trás recordações e muitas vezes causa problemas psicológicos.

Francisco José Torquato Vitalino. Do nome não sei a origem, e muito menos era ele assim conhecido. Nascido numa da mais tradicionais famílias dos Inhamuns, não trazia, entretanto, em seu nome o sobrenome dos seus ancestrais famosos.

Ficou mesmo conhecido na região como Ze de Bento. A razão desconheço. Rapaz estudioso, inteligente, que aos vintes e dois anos já era formado em Engenharia pelo Instituto de Tecnologia da Aeronáutica – ITA - . Formação obtida com méritos por ter sido ele um dos primeiros alunos da turma. Tão logo saiu doutor pelo ITA, já tinha emprego garantido na iniciativa privada. Nem chegou a esquentar o banco na Aeronáutica, pois obteve muitas propostas vantajosas, deixando de imediato as Forças Armadas.

Saiu da Aeronáutica, e teve somente tempo de voltar ao Ceará para se despedir da família e casar com uma linda morena lá de Aiuaba, por nome Maria Creusa de Melo e Sousa, filha de outra tradicional família das redondezas.

O casal de pombinhos passou a lua de mel no Brejo das Freiras, na Paraíba. Embora já tivesse uma boa colocação, não tinha ainda condições de passar a lua de mel pelas bandas da Europa, coisa que ficaria para depois. E de lá mesmo, do Brejo das Freiras, foi com mala e cuia para a capital paulista.

Ele para trabalhar no Ford do Brasil, em São Bernardo do Campo. Engenheiro na área de produção e ela dona de casa que dividiria o tempo entre os afazeres domésticos e o curso pré-vestibular. O sonho da menina era ser médica veterinária.

O tempo passou e o casal sem filhos vivia uma vida de classe média na cidade grande. O amor dos dois parecia perfeito. Ele do trabalho para casa e ela saía somente para ir aos estudos e ao supermercado próximo. Nos fins de semana aproveitavam para ir ao cinema, a um churrasco na casa de outros nordestinos que trabalhavam na fábrica. E nos feriados prolongados, enfrentar, com todo paulistano, a fila de carros para ir de São Bernardo à Praia de Santos.

Zé de Bento era só empolgação com seus afazeres na fábrica, o casamento e o curso medicina veterinária de Maria Creusa que havia passado no último exame vestibular.

Um belo dia, Zé de Bento, que havia saído de madrugada para o trabalho, pois morava um pouco distante da fábrica, esqueceu alguns projetos em que estava trabalhado e foi buscá-lo. Por volta de dez horas ele teria uma reunião muito importante com a diretoria da empresa e os projetos eram imprescindíveis, já que teriam de se apresentados à diretoria para análise e decisão sobre sua execução.

Ao chegar em casa, muito apressado entrou e foi direto para seu escritório pegar os tais projetos. Como àquela hora Maria Creusa provavelmente estaria na aula, ficou temeroso ao ouvir barulho vindo do quarto de casal.

Pensando tratar-se de um ladrão foi à cozinha armou-se com uma peixeira, resoluto e sorrateiramente foi para o quarto investigar a origem do barulho. Ao chegar na porta do quarto, parou estarrecido. Não acreditou no que via. Sua amada e bela Maria Creusa nos braços de um vizinho.

Ao vê-lo Maria Creusa imediatamente se enrolou no lençol, tentando encobrir a nudez e talvez a própria vergonha. O vizinho com as calças na mão, vendo a faca portada por Zé de Bento, teve tempo de pular a janela do quarto e fugir pelos fundos.

Na realidade, Zé de Bento não estava mais enxergando nada, tão grande fora o susto, que o deixou petrificado na porta do quarto, não acreditando no que estava vendo. Maria Creusa tentou se explicar, mas no estado de choque que se encontrava, Zé de Bento não ouvia nem via mais nada.

Parado, estarrecido ficou na porta por várias horas. Contemplando o vazio. Sua vida se acabara ali.

O telefone da casa de Zé de Bento tocou várias e várias vezes, porém ninguém atendeu. Frebento por não o ouvir; Maria Creusa diante do que acontecera não tinha ânimo para nada, muito menos para atender ao telefone e falar com alguém. Era pessoal da fábrica ansioso pelos projetos ligando à procura de Zé de Bento que não chegava ao trabalho e não dava notícias.

Aquele estado de coisa permaneceu por horas a fio. Até a chegada do gerente de produção da Ford, que pessoalmente foi à procura do seu empregado, para a saber o que ocorrera, por se tratar de um empregado exemplar deveria haver uma razão muito forte para a falta dele à reunião.

Ao chegar à casa de Zé de Bento, o gerente aperta a campainha e Maria Creusa vem atender à porta, ainda enrolada no lençol. Muito pálida, cabisbaixa, faz o gerente entrar, que imediato deduz a gravidade da situação, tanto pelo estado da mulher, pelo estado de Zé de Bento, ainda petrificado na porta do quarto como uma estátua.

O gerente dirigi-se ao seu subordinado, que não o recolhe e muito menos o cumprimenta. Maria Creusa, envergonhada, não por ter passado chifre no marido, mas por ter que contar o acontecido a alguém que pouco conhecia, narra o ocorrido. Depois de estar a par do assunto o gerente tenta levar Zé de Bento para sentar-se numa cadeira da sala. Tudo em vão.

Preocupado, sem saber com agir, e ainda por cima o casal não tinha ninguém na cidade a quem recorrer, o gerente liga para a fábrica e pede ajuda à assistente social, que logo se desloca para a casa de Zé de Bento.

Lá, também foram vãs as tentativas da assistente social para tirar Zé de Bento do estado de catalepsia que se encontrava. A solução foi pedir ajuda ao médico da fábrica.

A essas alturas, Maria Creusa já estava bem. Se é que ficara mal em algum momento. Mesmo assim estava sendo acompanhada pela assistente social.

O médico chegou ao local, depois de informado da situação, tentou persuadir Zé de Bento a sair de onde estava. Tudo em vão. Como as tentativas foram infrutíferas, restou somente aplicar um sossega leão no infeliz.

A injeção surtiu efeito e ele dormiu por várias horas, mas quando acordou ficou na cama da mesma maneira que ficara na porta. Olhos fixos no teto, sem pestanejar, nem emitir um único som. Maria Creusa, não sei se por remorso, não saía do lado do desgraçado, que permaneceu por três dias seguidos naquela posição. Até que novamente veio o médico da empresa e o levou para um hospital.

A família, informada da ocorrência e da gravidade da situação, foi buscá-lo em São Paulo, para que pudesse ser tratado no Ceará, pois ficaria perto de parentes e amigos que poderiam ajudá-lo mais.

No Ceará começaram um tratamento que logo foi abandonado, pois Zé de Bento fugiu do hospital e voltou para sua cidade natal: Aiuaba. Lá se enfiou na cachaça. Bebia até cair. Como não tinha dinheiro, as pessoas pagavam uma cana aqui outra ali para o chifrudo, somente para ouvir seus lamentos, suas lamúrias; quando se embebedava, sentava-se nas coxias das calçadas e começava a gritar:

- Ai! Um ai longo, lamentoso. Ai! Como dói, foi chifre.

HENRIQUE CÉSAR PINHEIRO

JUNHO/2012