O Pacto ( Parte II)
Passado o grande dia das bodas, era preciso voltar à rotina. A vida cumprira seu prazo com o Senhor Maurício, mas, por algum motivo, ainda não cobrara seu tributo. O paciente continuava bem disposto, a hemoglobina em bons níveis.
Fiquei intrigado sobre qual seria o assunto, passada a empolgação de recordar a festa dos sessenta anos de casado.
Falamos bastante de música. O meu velho amigo, que não era homem de letras e nem de nenhum conhecimento formal, embora não possa desprezar a formalidade de uma vida bem vivida, era bastante conhecedor de música clássica. Chegava mesmo a conhecer as diferenças entre as óperas de Viena e París e discorrer sobre as vidas e discografias de diversos músicos eruditos.
Permita-me o leitor fazer uma pequena, mas significativa, retificação. Nós não falávamos de música, era o Senhor Maurício quem falava. A mim cabia apenas o papel de ouvinte, mesmo quando ganhei dele um CD com músicas de Edith Piaf, que eu sabia quem era, mas nada além disso, por ter passado uma temporada estudando na França. A indiferença prega peças à juventude.
Voltando ao nosso fio condutor, eu continuava perdido e atônito com a evolução surpreendentemente favorável do quadro. Qual seria a razão de ainda haver vida naquele corpo e, melhor, tanta vida?
Para saciar uma curiosidade nada mais adequado do que perguntar. Foi o que eu fiz.
A resposta não poderia ser diferente e veio junto com aquele inconfundível sorriso no olhar.
- Fiz um novo acordo com a vida. Estou juntando dinheiro para viajar de navio com meu anjo.
A viagem de fato ocorreria por ocasião dos 90 anos do Senhor Maurício.
Continua....