London, London
Eduardo era um grande amigo meu da juventude. Tudo era diferente, uma época maravilhosa. Começo dos anos 70, ele consegue juntar dinheiro para uma modesta viagem para a Europa com mais dois amigos, hotéis simples, tipo pousada, passe de trem e tudo mais...A primeira parada seria Londres, por motivos técnicos, mas também por causa dos Beatles. Eduardo era fan incondicional. Tinha fascinação pelo grupo e tudo que se referia a eles. Claro, não havia chance nenhuma de vê-los num show ou qualquer coisa assim, era apenas uma coisa emocional, estar pisando a mesma terra, etc...Os três finalmente descem do avião e tomam uma condução para o hoteleco que tinham reservado. Cansadíssimos, tomam um banho e vão descansar um pouco antes de dar um passeio pela capital. Eduardo, no entanto, está muito excitado e não consegue esperar, aventurando-se sozinho pelas ruas da cidade. Vai lépido, olhando para todos os lados, lendo cartazes, olhando lojas, monumentos, tudo. Sente as primeiras dificuldades da língua quando nota, em alguns avisos e propagandas, palavras que nunca tinha visto. Mas não acha que isso vá ser um problema, “vou aprender tudo”, pensa e continua. De repente um rapaz, que mais parecia um “gentleman”, aparece a sua frente, com uma máquina fotográfica pendurada no pescoço. Com muita elegância fala alguma frase em inglês, que, Eduardo mal reconhece como sendo qualquer coisa a respeito de tirar uma foto sua. Meio confuso, ele concorda, principalmente por causa do ar amigável do interlocutor. O “fotógrafo” dá instruções sobre a pose que Eduardo deveria tomar. Eduardo olha para trás e reconhece que atrás de si descortina-se uma típica paisagem londrina e com certeza uma boa foto sairia dali. Dois ous três “clicks”rápidos e a sessão fotográfica termina. O rapaz tira do bolso do paletó – estava fazendo frio, apesar do sol – um caderninho de notas e pede o endereço de Eduardo. Naquela época nem de longe passava pela cabeça das pessoas qualquer maldade e Eduardo dá o endereço do hotel, número do quarto, etc. O londrino explica para ele que o endereço era para mandar as fotos quando prontas. Naqueles tempos ainda tínhamos de “revelar”os filmes, entre outras coisas, antes de termos um “retrato”. Pede 10 libras pelas despesas da maneira mais desinteressada e “casual” que era possível. Eduardo de repente acha que pode haver algo de errado, mas que coisa, afinal de contas ele estava na Inglaterra, terra dos Beatles...e ele ainda com aquela mentalidade provinciana brasileira, com medo de tudo. Parece entender a situação um pouco melhor, fica mais tranquilo e paga as dez libras para o estranho. Ficou feliz por ter seu primeiro diálogo real em língua inglesa em territórios internacionais. Todos aqueles anos de estudo..Agora sim, uma coisa real, uma conversa de rua...Eduardo se sentiu orgulhoso e lembrou- se mais uma vez dos Beatles. Chegou a pensar que devia comentar algo sobre o maravilhoso grupo com o inesperado novo “amigo”de rua, mas depois achou que aquela não era hora. Despedem-se, Eduardo dá mais umas voltas e retorna para o hotel para contar sua pioneira experiência nas terras da Grã-Bretanha. Maurício e Síllvio estão ainda meio adormecidos mas procuram prestar atenção nas novidades. Eduardo conta o que vira, suas primeiras impressões e também sobre as fotos, os detalhes, o preço. Maurício olha para Sílvio e vice-versa. Confirmam então com Eduardo se ele realmente tinha dado dinheiro para o fotógrafo. Claro, ele iria ter de pagar a revelação, etc...Os dois amigos entreolham-se mais uma vez e começam a rir histericamente. Eduardo então se dá conta que fora vítima do conto do vigário. Estava ao mesmo tempo envergonhado e magoado com os amigos que não paravam de rir da ingenuidade.
Eduardo estava sentido. Como ele iria saber que uma coisa daquelas poderia acontecer no Primeiro Mundo? Nunca ninguém jamais imaginaria uma coisa dessas...a nãos ser pelos seus amigos, é claro...E além disso, caramba, aquela era a terra dos Beatles! Eduardo mais tarde entendeu como fora ingênuo mas nunca aceitou que pudessem fazer uma malandragem dessas naquele mesmo lugar onde seus ídolos cantavam e faziam aquelas composições maravilhosas...Que absurdo, fazer aquilo na terra dos Beatles!
Ah, sim, só para esclarecimento...as fotos nunca chegaram, mas pode ter sido o correio, é claro.
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